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sábado, 19 de novembro de 2016

Escoamento

Foto: Dreamstime


Escoamento

Nas horas mudas
Da madrugada
Fria
Sob o roto relógio
De pêndulo
Na parede
O cuco quebrado
Pendia
Feito bêbado
Deixando escapar
Das suas entranhas
O tempo perdido

Desciam em cascatas
Segundos
Minutos
Horas a fio
Indefinido
O ponteiro biruta
Via-as passando depressa
Sem direção
Ora solitárias
Ora aos montes

As horas caíam
Do abismo
...
Uma
Duas
Dez
Dezenas
Um ano inteiro
Uma vida inteira

Manogon

sexta-feira, 18 de novembro de 2016

Apresentação na Casa Amarela - Teatro

Um fim de tarde de domingo, dia chuvoso, diversas pessoas se aglomeram em um só lugar. Apesar do aperto e do avançar das horas, ninguém quer ir embora, ninguém quer perder um só lance. Partida de futebol? Show no metrô? Nem de perto. Estão ali para apreciar, fazer, acontecer, vivenciar e se inspirar na arte. Desfile de todas as vertentes dessa fértil progenitora. São artistas, são amantes da arte, são pessoas comuns... algumas mais conhecidas, outras dando seus primeiros passos. Isso não importa! O que importa é a força que move todos, encontrar amigos e partilhar momentos de sensibilidade, de revigorantes intervenções artísticas, combustível necessário para tocar a vida e enfrentar os obstáculos cotidianos. Sair dali com as forças renovadas e acreditando que ainda vale a pena fazer e produzir arte e que ela não está enclausurada em muros altos, cofres protegidos, palcos distantes, jabás impagáveis, estrelato inalcançável.
Foi nesse clima que apresentei uma esquete teatral. Um texto quase improvisado, costurando letras de músicas conhecidas como O Morro Não tem Vez, Cidadão, Um Homem Também Chora e Saudosa Maloca, com a dramatização em torno de um tema. Espero que gostem.
Agradeço ao Escobar Franelas pela captação da imagem com o meu celular, ao Milton Luna pela edição e, claro, à Casa Amarela pela sempre agradável receptividade, espaço de vivência artística que é encabeçado pelo casal de agitadores/fomentadores culturais Akira Yamasaki e Sueli Kimura.


quinta-feira, 17 de novembro de 2016

Tecla Mute



Tecla Mute

Silêncio
É pétala que cai
Espinho que não morre
Preso na pele
Perfura

Silêncio
Cessem o barulho
Os sons de buzinas
Dos carros engripados
Das vozes afônicas

Preciso ouvir
Preciso ver
Sentir
No quieto do dia
Sua pele
Seu cheiro
Sua alegria

Que guardo em mim

O céu chora
A lágrima que não cai
Limpa negras nuvens
Mas encharca o chão
Encharca a alma
Provoca erosão

No silêncio
De mim mesmo
Ouço seu canto
E sinto seu toque


Manogon




quinta-feira, 3 de novembro de 2016

Só ria

Imagem: shutterstock



A mente vazia
A razão esvazia
No estômago, azia
Nos órgãos, paralisia
No coração, taquicardia
Nas mãos sujas, covardia
Por baixo dos panos, baixaria
Nos meios, anestesia
Pra quem manda, alegria
Impunidade e apatia
Pro povão, porcaria
Pão e circo, risadaria
Pra reivindicar, histeria
Pra conversar, pancadaria
Resumo da ópera, operaria

História


Manogon

quarta-feira, 2 de novembro de 2016

Uma porta que me leva a outro lugar

 

Amanhecer - Imagem: Manogon


"... Meu amor
Me ensina a fazer
Uma canção falando quanto custa
Trancar aqui dentro as palavras
Calando e querendo dizer
Não sei se o poema é bonito
Mas sei que preciso escrever..."

(Me ensina a escrever - Oswaldo Montenegro)


Cara amiga Lunna,

A missiva final desse projeto da Primavera endereço a você, mentora de tantas história e mediadora de tantas mentes e vontades. Porto seguro onde atracam diversos navios carregados de personagens e tesouros em formas de letras.

Seus textos conversam com os leitores, criando aí uma ponte entre leitor e emoções, entre as criaturas, as criadoras e os apreciadores. E assim, enchem-se as telas de criações literárias, enchem-se as salas, cafeterias e bibliotecas de eventos para abarcar essa confraria de teimosos e amantes da escrita.

Caminho por diversas estradas. Uma delas é forrada de letras, palavras, versos, contos e histórias sem fim. Rogo sempre ser merecedor de tão bela arte e poder encantar as pessoas, seja pela escrita e conteúdo, seja pela emoção ou conjunto da obra. Aprecio o desenrolar de suas tramas e a maneira como nascem aos montes dessa terra rica. E espero, em um rompante daquela "invejinha" que nos motiva e impulsiona, obter tamanha profusão.

Não sei se o projeto das missivas era assim como fiz, como participei, nem se deveria ter esse desfecho, mas sigo também o meu instinto e capto a reação das pessoas que acompanharam e me honraram com sua leitura.

Como sempre leio em suas postagens menção a essa maravilhosa bebida, quero mais café. Que venham muitas xícaras e copos com os mais variados cafés, acompanhados de dedos de prosa, troca de percepções e aspirações, lançamentos e projetos. E que os pensamentos, as criações se misturem à fumaça do café, dançando em frenesi pelos ares, cativando quem a inspira, povoando as mentes com as imagens, surpresas e desdobramentos, apetecendo paladares, vislumbrando olhares e instigando curiosidades.

E que a sala continue cheia de boas companhias.

Até mais.

Manogon

Oitavo e último tema do projeto Missivas de Primavera, com autores da Scenarium Plural. Participam desse projeto:

Adriana Aneli | Lunna Guedes | Tatiana Kielberman | Chris Herrmann | Mariana Gouveia | Manogon  |  Emerson Braga | Ingrid Morandian

Caindo de si em si mesmo



Imagem: Freepik


"...Não sei onde eu to indo
Mas sei que eu to no meu caminho
Enquanto você me critica, eu to no meu caminho..."

(No Fundo do Quintal da Escola - Raul Seixas)



Estimado filho,

Você não sabe a alegria com que recebi sua carta no dia do meu aniversário. Não esperava nenhuma novidade, nenhuma notícia. Já estava até me conformando em passar mais um dia no mesmo marasmo quando fui surpreendido pelo Zé chamando meu nome. Zé é o nosso carteiro, que conhece quase todo mundo e sempre traz as boas novas (ou nem tão boas assim).

Eu queria tanto saber notícias suas... puxa, quanto tempo já se passou! Desculpe não ter comparecido à sua formatura. Não deu pra ir. Mas imagino como ter sido linda a festa. Um dia de muito orgulho e muita alegria, mesmo sem a minha presença. Estou certo que sua mãe também está muito contente com você. Ela deve estar chateada comigo, não é? Mas não a culpo. Do jeito que as coisas estão, a gente acabou se distanciando um pouco. Mas saiba que ainda a amo. E você então, nem se fala. Sou louco por você, moleque! Saiba disso e nunca esqueça.

Meu coração se encheu de alegria em saber que vai fazer um curso técnico, que já pensa em trabalhar e que anda de olho numa garotinha aí. É... o tempo passou mesmo! Meu menino já é quase um homem, já crescido. Isso mesmo, meu garoto, estude bastante porque sem estudo a gente não consegue muita coisa. Espero coisa melhor pra você e não o mesmo destino que o meu.

Eu também gostaria de vê-lo, mas sei que não dá. Você não pode vir pra cá e eu estou impossibilitado de voltar pra casa no momento.

Bom, meu filho, se cuida e cuide de sua mãe. Lembre-se que é o homem da casa, rs. Eu ficarei bem, na medida do possível. Quero receber mais notícias suas e, se não for pedir demais, quero que receba as minhas também, apesar da minha rotina não mudar. Mas só de poder escrever para você, meus dias aqui ficarão melhores. Não vejo a hora de poder voltar, se é que ainda vão me receber e me perdoar. Espero ansiosamente o fim da minha pena, mas ainda faltam 18 meses. Pra quem já perdeu alguns anos nessa cela, meses não são nada. Desculpem-me pelos meu erros. Fui fraco, mas na minha cabeça, estava tentando melhorar a nossa vida, levar comida pra casa. Nem parei para pensar se era certo ou não. Lamento.

Fique em paz. Te amo. 

Seu pai, AC.

Sétimo tema da blogagem coletiva com autores da Scenarium Plural, projeto Missivas de Primavera. Participam desse projeto os autores:

Adriana Aneli | Lunna Guedes | Tatiana Kielberman | Chris Herrmann | Mariana Gouveia | Manogon |Emerson Braga | Ingrid Morandian

Navega-se sem mar, sem vela ou navio

Imagem: shutterstock

"... Deixe-me ir
Preciso andar
Vou por aí a procurar
Rir pra não chorar
Se alguém por mim perguntar
Diga que eu só vou voltar
Depois que me encontrar..."

(Preciso me Encontrar - Cartola)


Caro amigo BK,

Escrevo essa missiva como se conversasse apenas comigo, na tentativa de achar uma resposta ao menos animadora e satisfatória, sobre coisas boas a seu respeito. Embora também precisasse que elas fizessem parte do meu dia a dia, é bem verdade.

Há tempos não o vejo nem nos encontramos para dar boas risadas ou tomar alguns belos goles de vodka, falar besteiras de velhos amigos e calejados trabalhadores. A "firma" como chamávamos já não existe mais e deixou de ser nosso ponto de encontro diário há bons longos e saudosos anos. Éramos uma turma feliz. Não só como colegas de trabalho, mas como amigos que partilhávamos detalhes, até mesmo familiares.

Quantas alegrias e conquistas dividíamos, não é mesmo? O nascimento da minha primeira filha, a formatura do seu filho no chamado "ginásio". Tantas mudanças que já nem sei qual o nome que dão para isso! O primeiro dente caído da minha pequena, a primeira namorada do seu... quanta coisa!

É verdade que também houve tristeza... a morte da cachorra da família, cirurgias e machucados, algumas brigas e ossos quebrados... Enfim, vida. Como uma viagem de navio em dia tempestuoso, não é verdade?

Mas, acima de tudo, tenho orgulho de dizer de nossa amizade. Os cabelos branquearam, a coluna insiste em me lembrar que os anos passaram, o neto já corre mais que eu. A família aumentou. A minha "nega" também soube envelhecer comigo. Tem sido minha rocha sólida esses anos todos, na qual se ergue e se mantém minha estrutura toda.

De tudo isso, meu amigo, só lamento não ter a sua companhia por perto para poder partilhar. Sequer sei se ainda continua com essa gargalhada característica.

Pois é, escrevo imaginando suas respostas e rindo de todas elas. Escrevo, não querendo voltar ao passado, mas grato por ter vivido tudo isso. E escrevo para perpetuar tudo isso, não como um final de história, um ponto final.

Onde quer que esteja, meu amigo, um gole à nossa amizade.


Franz


Sexto tema da blogagem coletiva Missivas de Primavera, com os autores da Scenarium Plural. Participam do projeto os autores:

Adriana Aneli | Lunna Guedes | Tatiana Kielberman | Chris Herrmann | Mariana Gouveia | Manogon | Emerson Braga | Ingrid Morandian

terça-feira, 1 de novembro de 2016

Nem só de café vivem os loucos


"Dizem que sou louco por pensar assim
Se eu sou muito louco por eu ser feliz
Mas louco é quem me diz
E não é feliz, não é feliz..."

(Balada do Louco - Os Mutantes - Composição: Arnaldo Batista/Rita Lee)

Cara AA.,

Escolhi a você para o envio dessa missiva não exatamente pelo tema, loucos e café, rs, embora tenha tudo a ver, mas justamente pela diversidade e multiplicidade dessa mistura. Como diz a música que destaquei, ser louco por ser feliz e louco (no sentido mais distante de uma suposta normalidade do ser) quem diz não ser. Somente nesse estado de graça alguém poderia imaginar ter uma Boca a Penas, viajar entre borboletas e lagartas, inspirar desenhos e figuras.

Entre uma divagação e outra, ouço a máquina do café em funcionamento. O aroma já toma conta da cozinha e se espalha pela sala. Lembro das esculturas que a Flavia fez com o tema do seu livro Amor Expresso, inevitável coincidência ao pegar a xícara de café para sorver um gole. A fumaça embaça a lente dos óculos e se perde em loopings aromáticos sobre a mesa.

A noite se deslancha, entrando sorrateira pelos silêncios e ecos da madrugada. O café vai chegando ao fim, mas o gosto permanece por muito tempo ainda. E parece que é esse gostinho que fica, que deixa um gostinho de quero mais, que prepara para uma próxima xícara, mesmo que não de imediato.

Da mesma forma, li suas cartas em seu blog e os poemas que vez ou outra esbarro com eles nas redes. O poema passa, mas fica também aquele gostinho de quero mais, que prepara para a leitura de um próximo, mesmo que não seja de imediato.

Aliás, preciosidades como essas devem ser apreciadas com sapiência, aproveitando cada gole, cada palavra, cada aroma, cada sentimento, por mais loucuras que possam representar.

Abraço.

MG

Quinto tema da blogagem coletiva Missivas de Primavera, com os da Scenarium Plural. Participam desse projeto os autores:

Males

Imagem: shutterstosk

MALES

A milícia cresce no morro
A malícia encurta a infância
A maloca invade a cidade
A moleca reduz a saia
O moleque corre da bala
O milico no fogo cruzado
O maluco bate ou assopra
A meleca solta no ventilador

E enquanto isso o 
Banquete corre solto
E a hipocrisia consome
A violência come
Na surdina da noite
Em encontros chiques
Pra disputer o chiqueiro

Há males que vem pra bem?
De quem?
Pra quem?

E depois, o que é que vem?
O que ainda tem?
O que nos sobra?
Se é que sobra
Do bolso de todos
Pro cofre de alguns
A sorte de alguém
Na morte o amém
Ninguém

Manogon