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segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Calar

Calar
Manoel Gonçalves

Cala-me a violência
A falta de respeito
O não se importar com o outro
O descaso e a indiferença
Valorização dos defeitos
Sem prazer e brilho no olhar
A ausência
Calam-me!

Cala-me a vergonha
Da roubalheira descabida
Da cara de pau medonha
A vida do pobre vivida
A população enganada e risonha
Risada nervosa, contida
Na lida diária tristonha
Calam-me!

Cala-me a ignorância
A criança que não aprendeu
O fim da tenra infância
O riso que entristeceu
O idoso que não descansa
A experiência que se perdeu
Calam-me!

Cala-me o sem escrúpulos
O ataque à liberdade
A prisão do indivíduo
O caos da grande cidade
A violação do ser humano
O medo sem ter idade
Calam-me!

Cala-me o noticiário
Caminhos na escuridão
Banalidade do calvário
Labirintos da religião
Fiéis e operários
Prostitutas e mercenários
Disputam migalhas no chão
Alvos de constante escárnio
De corrupto e ladrão
Calam-me!

Calam-me tantas situações
Que se eu fosse mesmo analisar
Não faltariam razões
Para de fato me calar
Mas me restam as emoções
Que me fazem pensar
Rompem mordaças e grilhões
E continuo a protestar

Não, já não me calo mais
Impossível amordaçar
A língua não quer sossego
Coração não sente medo
Sangue quente a circular
Oxigênio puro na mente
Eu continuo a pensar
De fato não mais me calam
Não quero a voz abafar

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