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sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Irmanados

Mãos dadas
Como as letras juntas
Produzindo as mais belas canções
Os apaixonados poemas
Aventuras inacreditáveis
Um romance diário

Mãos dadas
Uma que apóia a outra
Pés sobre pés
Reforçados
Juntos na caminhada
No calor de cada amanhecer
O prazer em ir adiante

Mãos e pés bailam
Celebram integrados
Não cansam nem desistem
Simplesmente seguem
Caminhos próprios sonhados
Com a certeza de estar
Prontos para recomeçar
Selados, fortes, irmanados


Manoel Gonçalves

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

The colors of the rainbow

Apesar do dia-a-dia corrido de Sampa, de tanto prédio, trânsito, poluição, tanto concreto e tanto cinza, essa maravilhosa cidade ainda nos oferece espetáculos fantásticos, como este que fotografei da janela da empresa onde trabalho. Um belo pôr-do-sol, cores vibrantes lutando para se sobressair em meio aos prédios monocromáticos. A força do intenso céu alaranjado, tranformando o que antes era confuso e disforme numa silhueta interessante, um grafismo integrado à paisagem, que empresta o contraste necessário para a beleza da imagem.
Como diz a música: "The colors of the rainbow, so pretty in the sky... What a wonderful World!"

Abraços.

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Fé e o Ser humano

"Muito dela tenho ouvido
e dela tenho falado
por ela se tem morrido
por ela se tem matado
Todo povo oprimido
não se esquece do ditado:
'Povo que vive sem fé
é um povo abandonado'."
(trecho da música A Fé, de Zé Geraldo, do CD Catadô de Bromélias)
Uma obra muito boa, com arranjos maravilhosos e letras bem elaboradas, de excelente poesia: marcas mais que conhecidas desse poeta do povo e da terra. Parabéns, Zé! Vale muito a pena assistir aos shows dele.
Meus aqui mesmo, só o bom gosto de apreciar suas músicas e o quadro acima,que representa a minha fé, a fé do povo, dos romeiros e de todos que buscam em suas crenças a inspiração para seus feitos.
Abraços.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Mutações

Sob o céu estrelado
Havia morros e mato
Árvores e um pequeno lago

Em contraste à paisagem
Bem no pé da subida
Como que sujando a imagem
Algumas casas perdidas

Descobrindo o local
Apareceu certo dia,
Um mundaréu de gente
Carentes, necessitados
Cansados, mas com alegria
Puseram-se lado a lado
Quase amontoados
Debaixo do céu estrelado

E com eles a necessidade
De a casa própria levantar
E, como todos da cidade,
Aos poucos, de grão em grão
Poder arrumar a casinha
Comprar TV, geladeira, fogão
Cama, sofá e até cozinha

Assim, mais um bairro surgiu
Cadê o verde?
Sumiu!
Pode ser visto aqui ou ali
Espremido em algum jardim
Ou então num parque cercado
Guardado, mas acuado
E o ser humano, coitado
Vê o que conseguiu
Satisfeito sorri
Do progresso que chegou enfim

Manoel Gonçalves

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Renascimento

Celebre o renascimento
Cultive a resiliência
Fertilize sua mente
Com bons pensamentos
Para que a criatividade
E a força de vontade possam fluir
Mas, se algo der errado,
Deixe que o Senhor
Ressuscite o que há de melhor
Em você e que pode contagiar os outros
O AMOR

Manoel Gonçalves

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Pétalas e espinhos

Uma rosa
Em sua existência
Tem a feliz incumbência
De irradiar suas cores
Exalar seu perfume
Brindar amores

Ser comparada à mulher
Não por sua aparência
Nem por sua fragrância
Mas pelo que representa
Fragilidade, beleza
Introspecção, defesa

Graça nas pétalas
E ao mesmo tempo
Dificultando o caminho
Impedindo o contato
Com a ponta dos espinhos
Afasta o calor do tato
Hipnotiza e disfarça
Maltrata fazendo graça

Espinhos
Pontas agudas de dias escuros
Cortantes, frios, solitários
Apesar de tudo, protetores
Momento ímpar de reflexão
Seio que encerra o sentir
Guarda, germina
Esconde o belo para florir

Pétalas
Maciez na voz, na pele, no trato
Fragilidade a todo instante
Flor cheirosa, bela e cativante
Que aprisiona seus admiradores
Com seu jeito simples
Enigmático e sedutor
Misteriosa donzela
Inspiradora flor


Manoel Gonçalves

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Longe de Tudo


Esse aqui eu fiz para representar o quão distante está nossa classe política das agruras do povo, principalmente o nordestino. Ela, detentora de maior poder e da condição necessária para diminuir o sofrimento do povo, se quisesse e tivesse vontade (não só política), já teria resolvido a questão ou pelo menos dado subsídios suficientes para o crescimento tecnológico, intelectual e social, condições mais que necessárias para mudar esse deprimente cenário.

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Raul Rock Seixas


Um quadro que pintei e dei de presente para a minha esposa, fã do Raul. Toca Raauuuuuulllll. rsrs.

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Quem me dera

Quem me dera


Quisera o Sol tivesse um amigo
Que não se queimasse ao ser abraçado
Quisera a Lua tivesse um amigo
Que não fosse embora ao nascer do dia
Quisera o mar tivesse um amigo
Que ele não engolisse ao colocá-lo no colo
Quisera o ar tivesse um amigo
Que pudesse acariciá-lo de felicidade
Quisera o porco-espinho tivesse um amigo
Que suportasse a dor ao encostar a cabeça em seu ombro
Quisera a águia tivesse um amigo
Para compartilhar a paisagem em seu vôo
Quisera a noite tivesse um amigo
Que não se perdesse na escuridão
Quem dera todo o mundo tivesse um amigo
De muito tempo ou de poucas horas
Quem dera esse amigo ser sincero
Como o é um abraço de criança
Sem preconceito, sem cor, sem lembrança
Sem juízo, moral ou culpa
Sem nexo nem credo ou sexo
Quem me dera ser eu esse amigo
E expressar no mais simples gesto
Mil palavras de carinho e afeto
E uma infinidade de sensações
Quem me dera...



Manoel Gonçalves

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Além dos dois lados

Além dos dois lados


Quem sou eu?
A imagem refletida, revivida
Ou a esperança no amanhã?
O rosto sereno do riso
Ou retorcido do pranto?
A brisa da noite na fronte
Ou o sol rasgando no horizonte?

Quem sou eu?
A flor que se abre ao sol
Ou as tintas expressas na tela?
Os olhos furtivos da bela
Ou a imagem fria no espelho?
A pálida pétala da rosa
Ou o calor dos lábios vermelhos?

Quem sou eu?
Corpo caído na cama
Sapato atolado na lama
Raio de luz na neblina
Um grão de areia fina
Vento que sopra e balança
Um sopro, suspiro de criança

Quem eu sou?
Aquele que ama sem medo
Que não chora em segredo
Que gosta do canto dos pássaros
De bom dia, apertos e abraços
Café forte e quentinho
Acordar devagarinho
Voltar pra casa à tarde
Comer bolo de chocolate
De ter família à espera
Ser amigo dos outros
E ter amizades sinceras

Quem sou eu?
Quem somos nós?
Amantes inebriados
Cadarços entrelaçados
Xícaras quentes de chá
Cobertas, pipoca e sofá
Conversas sussurradas
Roupas sujas, molhadas

Quem pode dizer quem sou eu?
Ninguém, a não ser eu mesmo
Quem pode dizer o que somos nós?
Senão corpos soltos a esmo
Inertes
Fatigados de tantos flertes
Incautos, desnudos, exaustos


Manoel Gonçalves

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Olhos Negros

Olhos Negros

Olhos negros
Tons escuros
Contraste da cor
Negra nos olhos
Intensa nos sonhos
Tênue no horizonte
Forte no rosto
Difusa ao longe
Marcante defronte
O brilho branco brinca
Embola bobo nas bolas
Bolinhas vivas dos olhos
Pupilas cintilantes
Pulam, pipocam vibrantes da face


Manoel Gonçalves

terça-feira, 17 de junho de 2008

Pintura

Quero um olhar diferente
Daquele que olha ao longe
E vê os pássaros voando
As folhas das árvores cantando
Balé de flores do campo
Sinfonia da água em cascata
Quero olhar para o céu
E ver a luz transpondo as nuvens
Sentar na relva úmida
Flutuar no vento vespertino
Observar o pôr-do-sol
E saber que depois dele
Nada mais é o que era
Já não há mais pássaros
Não se vê mais árvores
Muito menos montanhas
Rios ou cachoeiras
Flores e relva são meros rabiscos
Tudo perde seu significado
São simples silhuetas estranhas
Peças do mesmo cenário
Formas negras interessantes
Num fundo alaranjado
Elementos gráficos
De um belo quadro
Pelo grande Mestre pintado


Manoel Gonçalves

sábado, 14 de junho de 2008

Minhas Corredeiras

Sob minha janela
Correm águas cristalinas
E quem se banha nelas
Amor dos seus olhos mina

Sob minha cama
Correm águas musicais
E o som que delas emana
Acalma a dor dos meus ais

Sob meu corpo quente
Correm águas agitadas
Nutrem de vida a mente
Com suas idéias aladas

Em minha alma inquieta
As águas que tanto escrevi
Carregam sentimentos de poeta
Emoções diversas que vivi

Manoel Gonçalves

sexta-feira, 13 de junho de 2008

Sussurro

O sussurro na calada da noite chegou sorrateiramente aos seus ouvidos. Aquela voz, aqueles poemas, aquelas obscenidades… tudo conhecido e há muito não ouvido mais. Seria um delírio ou um sonho? Estaria ele escutando mesmo a rouquidão daquela voz suave e provocante a rondar sua nuca novamente. Ele nunca fora chegado a afetos demasiados banais para a sua criação e conduta de homem de negócios. Ah, mas com ela foi diferente desde o começo. O encontro na fila do cinema, os dois solitários (ela acabara de tomar um majestoso pé na bunda e ele sem expor suas emoções. Mas um esbarrão na saída da lanchonete e pipocas para todo lado foram o suficiente para marcar o início de um romance ardoroso, arrebatador e cheio de situações ousadas que ruborizavam as pessoas presentes, haja vista que o fato de ser local público ou privado nunca foi empecilho para ambos. Mas agora tudo era fumaça. Coisas que se desfiguram na névoa. A não ser quando a saudade derruba e o tédio arma o terreno para sentimentos de arrependimento e súplica. Nesses momentos, até um cheiro de ovo frito pode desencadear lembranças fortes. Ela era muito prendada na arte culinária e ele achava isso ótimo (o ovo era pedido especial dele para tomar o café da manhã). Mas sua paixão por gastronomia a aproximou de um chef francês que fazia algumas palestras no Brasil. O comunicado veio de forma simples, mas o corte que deixou foi profundo. Ele ainda não cicatrizou. E agora que a voz ecoava em seu ouvido, como um mantra do amor, ele revivia cada alegria e cada dor. Deu um salto e correu para o interruptor. Nada, nem sinal de qualquer vestígio dela. O jeito era se entregar às pilhas de papel dos relatórios e curtir a fossa ali mesmo ou socado num boteco qualquer. Quem sabe poderia pintar alguma coisa? Um esbarrão, coisas caídas, um jantar (desde que não fosse francês, é claro). O sussurro? Quem poderia ser? Ah, esquece, aquilo foi só um delírio de sua mente cansada, comprometida pelo álcool, e de sua paixão não correspondida. Os ecos eram de sua própria voz gritando para sua alma e vontade de viver esquecerem as mágoas e voltarem à vida.

segunda-feira, 9 de junho de 2008

Café da manhã

O raio de sol entrou pela fresta da janela, fazendo com que ele acordasse. Nesse instante, também invadiu o quarto um cheiro envolvente de café. Ana levantara cedo e estava na cozinha, cantarolando e preparando um café reforçado para o casal. Depois da noite que passaram seria indispensável repor as energias. Talvez extasiado com as lembranças dos bons momentos, talvez porque moravam no 8º andar daquele edifício reformado, nas imediações do centro da cidade, mas o fato é que o barulho infernal do trânsito paulistano parecia não existir. Marcelo aproveitou mais alguns instantes daquela paz, e depois de muito se espreguiçar, como gato depois da soneca quando sai da almofada, andou pelo quarto e conferiu a cara amassada, barba por fazer e cabelo arrepiado. Constatou a necessidade de um banho urgente. Pela brecha da porta cuidadosamente encostada, viu Ana distraída com sua missão gastronômica. Saiu do banho e ainda com a lerdeza matinal, sentou-se na cama, diante da janela. O sol tímido havia sumido. A nuvem cinzenta que parecia só mais um dos reflexos da poluição, na verdade, era prenúncio de chuva.

Abriu a janela e sentiu os pingos em sua face barbeada. Aquele ambiente bucólico o fez viajar no tempo, quando ainda era criança e morava com os pais na periferia da Zona Leste. O cheiro do café na casa toda, uma mulher cantarolando na cozinha, a preguiça em levantar para ir à escola, reforçada ainda pelas manhãs que eram surpreendidas pela chuva.

O bairro ainda continha muitas áreas verdes e as ruas, quase em sua totalidade, eram de terra. Ambiente mais que propício para as travessuras de um garoto peralta e cheio de vida. Marcelo não era do tipo que ficava o tempo todo na rua, pois os pais lhe davam liberdade, mas sempre cobravam postura e respeito às “leis” de casa. Hora de entrar era hora de entrar e fim de papo. Mas Marcelo aproveitou bem sua infância, correndo pelo bairro e pelos morros que ainda existiam na época, de onde soltou muitas pipas, jogou pára-quedas feitos de plástico e com soldadinhos e brincava de um inocente polícia e bandido.

Adorava quando chegava o fim de semana e podia acordar sem pressa, sentar na varanda de casa e simplesmente observar o movimento lento da rua. As nuvens se formavam e, antes que a chuva desabasse, ficava envolto em suas fantasias para determinar quais os bichos ou coisas que as nuvens formavam. Entrava e sentava à mesa da cozinha, observando sua mãe em meio à fumaça do café (uma cena digna de cinema ou de foto artística). Só acordava do transe com o chamado de sua mãe.

- Marcelo. Marcelo. Ei, acorda rapaz. – era Ana adentrando no quarto, com uma bandeja repleta de guloseimas. Estou chamando há algum tempo, mas você não foi. Então resolvi trazer o café na cama. Aproveita que não é todo dia, hein!

Marcelo voltou à realidade.

O bairro onde cresceu se modificou muito. Os morros deram lugar às casas, sobrados e prédios populares. As ruas de terra foram impermeabilizadas pelo asfalto e as áreas verdes revestidas pelo concreto. Mas as lembranças são e sempre serão as mesmas. Tão puras quanto a imagem de sua mãe rodeada pela fumaça do café, com a luz amarelada em seu rosto, imagem à qual ele imortalizou em uma pintura. Não tão cheia de detalhes, não tão rica, mas com toda a essência.

Manoel Gonçalves

sábado, 7 de junho de 2008

Despedida de um suposto inocente

Pela janela vejo a noite escura e sombria. Não há lua no céu, o que torna a noite mais enigmática. Uma sensação estranha permeia os meus sentimentos. Não sei exatamente o que me deixa assim, mas faço uma idéia. A noite silenciosa me convida às reflexões, às vezes banais, às vezes existenciais. Nessas últimas é onde me perco. Mas também é onde tenho a oportunidade de sair desse marasmo.


Não sei como vim parar aqui. Essa cela abarrotada de gente, fria e fedida. Um lugar onde a gente se esquece quem é e das coisas que mais gosta de fazer. Ontem, ao menos, foi diferente. Sai. Não fisicamente, é claro. Viajei por mundos distantes. Consegui vislumbrar além desse quadro de alvenaria. Voei acima das nuvens. Explorei os mares e seus segredos. Conquistei riquezas que jamais sonhava em possuir. Enfim, consegui sonhar. Era um paraíso. Mas a realidade crua me puxou de volta e cá estou, acuado, fragilizado e sem esperança.


Não lembro o que houve. Só sei que entrei num bar para espairecer. Andava meio desconfiado. Já havia algum tempo parecia não ser eu mesmo. Algo diabólico me rondava. Mas naquela noite o meu destino estava selado. Só me vem à memória que vi uma amiga, a qual platonicamente eu namorava, acompanhada por um cara. Meu mundo caiu. Tomei umas seis doses e tudo de apagou. Dizem que foi medonho, bárbaro. Mas eu não fiz nada. Só lembro-me de ter acordado na delegacia. E depois, aqui. Jurei inocência, mas ninguém acredita e riem da minha cara dizendo que aqui todos assim se definem.


Depois de tantas investigações, enfim, descobriram o verdadeiro assassino. E selaram sua condenação. Mas o pior foi saber que ele veio para o mesmo lugar que eu. Fiquei ao mesmo tempo furioso, por saber que ele é o culpado de eu estar aqui, e temeroso, pois sei que ele é cruel demais. Ele já soube que estou aqui e como não tem muito espaço nessa prisão, sei que em breve ele virá. Está furioso e disse que eu fui culpado por pegarem-no. E não gostou. Sua fúria está incontrolável. Jurou vingança. Disse que acabará comigo e que de hoje não passo. Tento lutar para me manter aqui, mas já não tenho mais forças. Acho que será essa noite. Ouço seus gritos aterradores. Não poderei enfrentá-lo. Sou fraco demais e não há espaço nesse corpo para nós dois. Então, só me resta contemplar a noite escura e me conformar. Sei que não vou sair daqui mesmo. Aqui não é lugar mesmo para pobres sonhadores. Eu seria devorado se permanecesse aqui. É melhor abrir espaço para a sua raiva e aceitar que ele suma com o que resta de mim. Sem esperança, é melhor deixar que tome o controle. Ele já é maior que eu mesmo e me engole aos poucos. Depois de ter “experimentado” o gosto do sangue, em vez de se arrepender, gostou. Serei a próxima vítima de sua falta de escrúpulos. Somente mais uma dentre as inúmeras que acho que fará. Pobres idiotas que aqui estão. Serão meros corpos com o passar dos dias. Ele os devorará. Minhas forças somem e as dele, criatura maligna, crescem. Só queria ter tido mais tempo e mais coragem para lutar. Faltam poucos momentos de lucidez. Os últimos. Depois, sei lá onde estarei. Serei apenas o reverso do espelho da outra face, a do mal. A que se mostrou mais forte e que está prestes a cometer mais um homicídio: o meu. Já não há mais tempo. Já não há mais nada.


...
...


Fujam o quanto quiserem, idiotas. Vermes rastejantes. Pobres animais de cativeiro, esperando apenas o momento da experiência, do abate. Não adianta fugir, não há lugar para se esconder. Eu sinto o cheiro. Do medo, do sangue fresco, sinto a batida trêmula da pulsação acelerada e descompassada. Pulsação com tempo determinado, com prazo de validade a vencer em breve. Nada nem ninguém tende a ficar vivo ao meu lado... Sabem o motivo dessa ameaça, quer dizer, desse aviso? Eu gosto de causar o pavor, de incitar o agito, a adrenalina. Isso faz ficar mais prazeroso! Isso me fascina! Desespero, medo, correria, dilacerações... sangue, ossos quebrados, olhos de súplica, estatelados de pavor, gritos histéricos, gemidos sufocados e... mais... muito mais SANGUE! Corram! A caçada só começou...

sexta-feira, 6 de junho de 2008

Tempos idos


Era puro o dia
Quando a gente se via
E fosse mágoa ou alegria
Ninguém as escondia

Eram memoráveis esses dias...
As manhãs tinham magia
A barba não crescia
E a coluna não doía

O gesto que se fazia
Era de uma simpatia...
O povo passava e sorria
E todos diziam: Bom dia!

Serão sempre meus esses dias
Mas eu quis, com certa ironia,
Sem muita pompa, só nostalgia,
Desnudá-los nesta poesia


Manoel Gonçalves

De repente

De repente me deu uma saudade
Mas de algo que não vivi
De repente me deu um medo
Mas daquilo que eu desconheço
De repente me senti aliviado
Mas ainda não sei porquê
De repente sai por aí
Mas completamente sem destino
De repente eu me vi perdido
Mas eu nem sabia para onde ia
De repente encontrei você
E aí... Ah, aí tudo fez sentido
A saudade, o medo, o alívio
Sair por aí, ficar a ver navios
E olhar para o horizonte
Encontrar o sol nascendo em seu sorriso
O raiar do dia em seus olhos
E o recomeço a cada beijo seu
De repente eu me senti feliz
E vi que os repentes dessa vida
Por mais repentinos que possam parecer
Fazem sentido um dia, assim, de repente...


Manoel Gonçalves

quinta-feira, 5 de junho de 2008

Comandante Mig

Mig saiu correndo para se esconder. Não poderia ser visto. Ainda estava sem o seu traje e seria facilmente identificado. Aproveitou uma distração daquela que parecia ser uma intrusa em seu espaço e passou rapidamente pelo corredor. Com receio que ela se virasse de repente, saiu em direção à escada e a subiu com se estivesse fugindo do perigoso Rork, o monstro aterrorizante de três cabeças, capaz de desferir golpes mortais e enxergar em toda parte, tornando quase impossível o oponente escapar de sua fúria. Ainda bem que não era ele, senão Mig não teria a mínima chance. Pequeno e magrelo, mas com uma sutil deficiência em seu organismo, que apesar da sutileza, o impedia de ser tão ágil. Seria a presa fácil. Somente seu traje o colocaria em vantagem e o tornaria tão habilidoso quanto seu pensamento pudesse sugerir. Para sua sorte, Kork estava no extremo norte do planeta. Aquela “intrusa” era alguém que ele não conhecia, e por isso mesmo podia perceber sua presença.


Chegou ao topo da escada quase sem fôlego, olhou pelo corredor obscuro e localizou a porta que queria. Entrou e demorou alguns nano-luz de tempo lá dentro. Quando a porta abriu, Mig saiu imponente em seu traje negro e cinza. Agora sim ele estava preparado para enfrentar os perigos do caminho até sua nave, onde estaria a salvo de qualquer inimigo, ativando o escudo de camuflagem. E o obstáculo estava ali mesmo, muito perto de impedir a concretização de sua missão. Mig ativou um botão em seu traje e desceu a escada sem pisar na escada, flutuando a 5 microfeet do chão. Deslizou pelo corredor até o salão central. Já podia ver seu transporte mais a leste. Mas o curioso é que ela não estava no salão. Estava fácil demais. Olhou para um lado, olhou para o outro. Nada, absolutamente nada! Onde ela teria ido? Será que o havia seguido? Não, seu treinamento com os dark angels o havia munido de instintos que detectariam a presença dela. Como não tinha tempo para esperar, começou a se encaminhar para sua nave. Mas a pressa não o deixou perceber um vulto escondido em uma entrada no final do corredor. Quando Mig passou, ela veio por trás dele. Seus instintos o fizeram pular e ele gelou. Não era possível, como tinha sido tão descuidado. Olhou de canto de olho para aquela criatura e saiu correndo. Ela tentava se comunicar, mas o dialeto era ininteligível. Ele tinha que conseguir, faltava pouco para chegar à sua nave e ficar seguro. Jogou-se no chão, saiu rolando e estava quase, quando ouviu um grito, algo quase assombroso que quase o paralisou, mas agora sabia que conseguiria, sua missão estava salva.


- Migueeeeelll, cuidado menino, vai se machucar!


Mas Carlota sabia que seu filho não a escutaria. Não naquela hora em que ele era o comandante Mig, pilotando sua nave, digo caixa de papelão, e explorando os locais mais longínquos das galáxias. Quando Carlota chegou com a TV 29”, Miguel ficou entusiasmado, não só pela TV novinha, mas principalmente pela caixa, pois foi só o seu pai tirar a TV que ele se jogou dentro da embalagem, vestiu-se com algumas coisas, improvisou um chapéu e começou sua viagem.

Manoel Gonçalves


* Esse miniconto foi feito inspirado no rosto traquina do Gábi, filho de nossa amiga Simone, a qual tem em seu MSN uma foto dele dentro de uma caixa de papelão. Miniconto que fiz e publiquei no blog do Desabafo de Mãe.

quarta-feira, 4 de junho de 2008

Escreviver

Palavras surgem do nada
Rabiscadas numa folha
Estranhas, tortas
Apressadas
Estrofes não acabadas
No papel me expresso
Idéias, pensamentos
No texto impresso
Vontades, desejos
Sonhos, lamentos

Manoel Gonçalves

Quebra-queixo

Seu Luís é a prova de que o tempo, apesar de passar cada vez mais rápido (ao menos é essa a minha percepção), não é a mesma coisa para todos. Lembro da figura do seu Luís como se fosse uma marca do nosso bairro. Desde que recebi o alvará para poder ir à escola sozinho, lembro de vê-lo no horário da saída das aulas. Ali, parado, com ar pacato e meio bonachão. Sempre do mesmo jeito: sandálias de couro, calça de tergal, camisa meio rota e um aventalzinho. Espátula na mão e uma bandeja cheia da guloseima à sua frente, ele fazia a alegria da criançada. Não era para menos. Tomávamos um café mirrado antes de sair de casa e a aula acabava perto da hora do almoço. Parecia que o estômago ia varar pelas costas, que ia atacar a costela e ainda chupar o ossinho. Então, ao sair e dar de cara com o seu Luís, sempre que tínhamos dinheiro, era parada obrigatória. Aquele senhor, com olhos verdes e jeito de Dona Benta (personagem de Monteiro Lobato), bochechas rosadas e óculos arredondados, era querido pela garotada não era à toa, pois, mesmo quando não tínhamos dinheiro, acabava dando uma raspinha para os clientes mais fiéis. E assim, seguíamos nosso aminho na bagunça rotineira dos estudantes a caminho de casa.

Mesmo depois de sair daquela escola, sempre que avistava seu Luís, parava e comprava um pedacinho de seu doce. Mas aí comecei a trabalhar e passei a ficar menos tempo no bairro. Seu Luís perdeu seus “clientes” para uma bomboniere que abriu em frente à escola e vendia cada vez menos. Porém, como disse antes, ele não evoluiu com o tempo. Fazer quebra-queixo era mais que um simples negócio para ele. Era segredo de família. Aprendeu com seu pai, que aprendeu com a mãe dele, a arte de fazer o mais saboroso doce. Mesmo sem vender direito, ela fazia todos os dias uma bandeja cheia e saía às ruas. Quando não conseguia vender, passava em algum bairro carente e doava tudo aos garotos pobres. Até por isso mesmo, vez ou outra recebia algumas doações de amigos e ex-clientes.

Certa vez resolvi passear pelo bairro em que cresci e matar a saudade, ver se ainda conhecia alguém ou se lembrava dos lugares. E não é que vi seu Luís parado numa esquininha, já bem avançado nos anos, mas com o mesmo jeito de antes, porém, sem o mesmo brilho no olhar. Mas a fiel bandeja estava com ele e, ora quem diria, com o saudoso quebra-queixo. Não resisti. Tive de comprar e relembrar o gosto da infância. Aos poucos ele foi se lembrando de mim e ria como antes. Com um isto de pena e reverência por aquele bondoso homem, resolvi comprar seu doce todo. O que ia fazer eu nem tinha pensado. Certamente doaria em algum bairro carente, imitando o gesto do mestre. Ofereci-me para acompanhá-lo, mas acho que o orgulho de poder fazer as coisas conscientemente o impedia de aceitar ser levado como um velho gagá. Eu respeitei e me despedi.

Nunca soube onde era sua moradia, mas me contaram que era paupérrima. Talvez se a conhecêssemos não compraríamos seu quebra-queixo. Por achar que seria anti-higiênico, por preconceito, por tabu, sei lá. Porém, a grande magia estava no cheiro que dela exalava. Seu Luís era super cuidadoso com o processo e fazia ainda no estilo de sua avó.Dois meses depois daquele prazeroso encontro seu Luís faleceu. Mas o engraçado é que eu não consigo passar pelo meu antigo bairro sem achar que o vejo lá, no mesmo cantinho, em frente à escola, com sua bandeja cheia de doce e um rodeado de crianças querendo sempre mais ou pelo menos uma raspinha.

Manoel Gonçalves

* publicado também no blog Coeltânea Artesanal

terça-feira, 20 de maio de 2008

As quatro estações

Em meu peito-criança
Carrego a doce lembrança
Do riso que vai na distância
Da minha saudosa infância

Em meu peito-adolescente
Carrego ainda latente
Um coração sonhador
Que cria versos, canta amor

Em meu peito-adulto
Aquilo que não sepulto
A inocência de gostar
Da brisa morna do mar

Em meu peito-idoso
Carrego sempre orgulhoso
A infindável esperança
Pulsante de uma criança


Manoel Gonçalves

sábado, 19 de abril de 2008

A luz reveladora

O homem acordou e saiu tateando. Apesar da escuridão total, sabia exatamente onde ficava cada obstáculo. De repente sentiu algo estranho, algo que nunca havia sentido. Uma sensação de medo e curiosidade tomou-lhe por inteiro. Um pequeno feixe de luz cortou as trevas e iluminou parcialmente seu rosto e algumas coisas ao seu redor. Seus olhos eram muito sensíveis e aquela fresta aberta o incomodava, mas ao mesmo tempo atiçava a sua mente dormente por tantos anos de breu. Aos poucos a luz se tornava mais abrangente e o calor que ela produzia acariciava sua pele. Apesar da estranheza, ele gostou. Piscou os olhos muitas vezes até que os mesmos se acostumassem e ficassem de vez abertos. Olhou à sua volta. Aquelas coisas que ele sempre tocava, mas não sabia o que era. Aproximou-se da parede. Havia alguma coisa ali pendurada. Ele se aproximou mais. Deu um urro e se afastou. Tinha visto alguma coisa, alguém dentro da parede. Inquieto com a situação, tentou chamar a atenção do ser, balançando os braços, ao que o outro também o imitava. Mexia-se para um lado e para o outro. O prisioneiro do espelho o seguia. Foi chegando de mansinho e tentou dar a mão ao “amigo”. Mas havia algo que o impedia. Sempre batia numa parede lisa invisível, como um vidro. Aos poucos foi percebendo que a imagem tinha o seu jeito e começou a se tocar para ver o que acontecia. Teve uma sensação de poder (do conhecimento) ao descobrir que era uma imitação dele. Olhava-se minuciosamente. Viu que tinha algo peludo que lhe cobria o rosto e que era o motivo de tanta coceira desde muito tempo. Com um objeto cortante tirou boa parte daquela coisa. O ambiente se iluminava cada vez mais. Ele percebeu que a luz passava por debaixo de uma madeira que tinha a meia altura um ferro. Tomou coragem e foi mexendo levemente até que o ferro cedeu. A madeira se mexeu e revelou um clarão intenso. Quando seus olhos, após o choque e a dor, se acostumaram, ele os abriu vagarosamente. Daí o assombro foi ainda maior. A luz revelou um mundo imenso, cheio de cores, formas, texturas, cheiros, intenso de vida, o qual ele ignorava completamente. Viu que era apenas uma poeira perto de tudo aquilo e que ainda tinha muito, mas muito a descobrir e aprender.

Essa releitura de O Mito da Caverna, escrita pelo filósofo Platão, é tão somente para demonstrar o poder da alfabetização. Faço esse post (um pouco atrasado, pois o dia da blogagem coletiva foi ontem) para participar da campanha da Blogagem Coletiva contra o Analfabetismo, iniciativa da Georgia e da Meire e abraçada por muita gente boa da blogosfera. O aprendizado é assim: quanto mais se estuda, mais se descobre, mais se completa e mais se tem a noção de ainda faltar muita coisa a saber. Eu, de fato, não faço tanta coisa para combater o analfabetismo, além de procurar sempre incentivar as pessoas ao meu redor à prática da leitura, ler para as minhas filhas e levá-las às livrarias, dar livros de presente para os familiares e mais chegados.

Mas é engraçado e fascinante essa coisa toda, pois se não fosse o processo de alfabetização, você, caro leitor, não estaria lendo esse post, eu não teria esse blog e participaria de outros. E tudo ficaria na mais completa escuridão. Assim como as pessoas que não sabem ler, escrever ou interpretar o que lêem. Ao evoluírem para esse nível de conhecimento, as portas, janelas e tudo o mais no mundo se abrem para elas.

Aprender é como a vida. Separados, somos apenas letras de um imenso alfabeto, que podem ou não fazer a diferença na história contada todos os dias. Mas juntos, somos como as letras que se dão as mãos e formam sílabas, palavras, textos imensos, dramas e romances do livro da vida. E a história não tem fim. Cada dia se escreve um capítulo diferente, onde pessoas unidas e engajadas constroem uma rica teia de relacionamento e desenvolvimento, fortalecendo as personagens, sejam elas principais ou coadjuvantes.

E como a historinha citada no começo, ainda temos a aprender e ensinar também.

Abraços.

terça-feira, 15 de abril de 2008

Força interior

A força do que sinto
Que dilacera os órgãos
Desejando achar o ponto de vazão
E expande em som
Irradia em luz
Não está no que se vê
Não fica visível a olho nu
É preciso um microscópio
Não o científico
Mas sim o imaginário
Nascido das percepções
Do sentimento puro
Amor, respeito e carinho
Essenciais para entender
A força do que me move
Que me faz enxergar além
Muito além dos olhos alheios
A que me permite vislumbrar
A profusão de cores
Das diferentes auras ao meu redor
Flores raras do meu jardim
Que me faz viajar em pensamentos
Transcender o corpo físico
Achar a força interior
E a colocar em palavras e ações

Versos vivos da poesia que sou

Manoel Gonçalves

Lábios

Ah, teus lábios
Que chamam
E dizem que amam

Teus lábios
Molhados
Pintados
Lascivos de amor
Passeiam em meu corpo
Exploram sem pudor

Arrepiam
Atiçam, enfeitiçam
Os poros retraem
Os pêlos eriçam

Lábios que sinto
Toque suave
Cochicho ao pé do ouvido
Relaxa e deixa escapar um gemido

Lábios em meu rosto
Incitam minha libido
Secam minha boca
Doce beijo que não vem
Será real essa boca?
Por que não me toca a minha?
O desejo é ardente
E a espera quase enlouquece
Não cega porque compensa
Com o calor enfim
Dos lábios quentes macios

Manoel Gonçalves

segunda-feira, 14 de abril de 2008

Retalhos

Nem tudo que escrevo
É o retrato do que sou
Nem tudo que penso
Revela minha essência
Nem tudo que faço
Pode me elevar ou condenar
Nem tudo que digo
Sai exatamente como quero
Nem tudo que respiro
É ar ou muito menos saudável
Nem tudo que bebo
É insípido e inodoro
Nem sempre encontro comigo mesmo
Mas estou em tudo que faço
Em cada pensamento vago
Do riso amarelo ao amor declamado
Estou em cada uma dessas coisas
Que não têm tudo exato
Mas refletem a colcha de retalhos
Que representa uma pessoa
E os pedaços juntados numa jornada inteira

Manoel Gonçalves

sábado, 12 de abril de 2008

Rito de beleza

(texto publicado em 05/04 no blog Livro Aberto)

Joana desligou o chuveiro, se secou e vestiu o roupão de seda. Pegou o creme hidratante, o espelho oval que fazia par com a escova de cabo trabalhado, presentes de seu amado marido Valter (juntamente com o roupão, onde estava envolvido também um bilhete com os dizeres: “para que fique ainda mais encantador o seu ritual de beleza, o qual me deixa qual poeta a admirar a sua musa lua”). Ela sentou-se em sua cama, levantou a perna esquerda, permitindo que o roupão se entreabrisse e revelasse parte de suas curvas, e lentamente iniciou a sua massagem de hidratação.

Valter poderia muito bem se oferecer para fazer aquilo, como de fato fizera algumas vezes, mas o ritual todo o fascinava, era como assistir o nascer do sol na colina, não tinha nada a fazer a não ser admirar o acontecimento natural, a beleza do momento. Ela só olhava de canto de olho e sorria. Era como o brilho do sol a se espalhar na planície. Valter saboreava cada segundo. E assim se seguia até todo o corpo exalar o perfume adocicado do creme. Porém, o ápice era ver Joana pentear o cabelo. Era tão meiga em suas ações que fazia daquele instante algo sublime. Nem uma sereia de verdade seria capaz de enfeitiçar um homem daquele jeito. Ela parecia irradiar, sua aura poderia iluminar o quarto. Era um esplendor. E ele, como marujo em transe, se encaminhava para o seu mar, onde se agarrava ao corpo dela e já não via mais nada, era presa fácil envolta em seus braços, inebriada em seu perfume, sua pele, seu rosto e seus cabelos. Adormecia nos braços de Joana ou agarrado a ela, como se não quisesse que aquele instante tivesse fim.

Não era um ritual de toda noite e nem sempre ele estava lá para assistir, pois às vezes chegava mais tarde do trabalho. Nesses dias, ela se aprontava toda e ficava a esperar, mas ainda deixava para escovar o cabelo um pouco antes de dormir, só para que ele visse. Não era nada extraordinário, mas era algo que o deixava contente e para ela já bastava.

Porém, um dia, ele não chegou. Ela esperou em vão. Embora soubesse do acontecido, do acidente que o levara, Joana ficou por um tempo fazendo aquele mesmo ritual, deixando perto da cabeceira da cama o espelho e a escova, esperando que ele aparecesse de uma hora para outra e pudesse espiá-la novamente.

Os anos passados fizeram de Joana uma mulher mais conformada com o que se sucedera. A escova foi guardada na gaveta, enrolada junto com o espelho num lenço de Valter. Os cabelos branquearam e ficaram mais ralos. A pele já não tinha mais o mesmo viço. As marcas no rosto não escondiam, porém, a alegria da vovó Joana em abraçar e apertar o netinho Valtinho ao fazer suas vontades.Mas nesta noite a lua brilha imponente no céu. Não há nuvens. Ela parece estar com o dobro do tamanho. Joana toma seu banho, se seca e veste o roupão. Vai para o quarto, abre a gaveta e pega a velha escova, cuidadosamente preservada. Já não tem mais a mesma elasticidade, mas ainda assim faz o seu rito de beleza. Penteia os cabelos prateados e deita-se. Coloca a escova e o espelho ao seu lado e fica esperando. Ela sabe que esta noite ele vem. Valter voltará para admirar sua musa e novamente se emaranhar em seus braços. E depois colocá-la em seus braços, esperando que ela finalmente adormeça com um delicado sorriso na face.
Manoel Gonçalves

quarta-feira, 2 de abril de 2008

Arte de Viver

Da arte não faço parte
Talvez nem faça a tal arte
É ela que, singela,
Esperta e sorrateira,
Se esconde em minha mente
Muito ágil e faceira
Usando os seus encantos
Desliza feito serpente
E me guia como fantoche
Revela, para minha sorte,
Quase como um deboche
Aquilo que quer de mim
Assim sendo, ela é o Norte
Não posso ser dela uma parte
Ela é que é meu estandarte
Meu jeito diferente de ser
De agir, de pensar e de ver

É a arte que vive em mim

Manoel Gonçalves

segunda-feira, 31 de março de 2008

Inércia


O silêncio da espera
Vagar dos movimentos
Ignora minha mente
Deixa-me torpe, inconsciente
Mas apesar do som ausente
Há um zunido interminável
Por mais ninguém escutado
Ínfimo, imperceptível
Somente por mim audível
O ritmo inesperado
Do coração acelerado
Enquanto espero
Pacientemente
Parece parar tudo
Pára o vento
Cessa o relento
A pipa não voa no ares
O barco não flutua nos mares
Imóvel fica a folhagem
A rua fica deserta
Ninguém a caminhar
Nem pedestre pedindo passagem
Nem carro, nem moto
Nem guarda para multar
Pára o barulho da cidade
Somem as dificuldades
Não se conta o peso da idade
Nem há rugas de preocupação
Nenhuma nuvem, nem tempestade
Nem sol quente de verão
Só há o relógio
E os seus ponteiros armados
Que mesmo vagarosamente
Avançam sempre pra frente
Incansáveis, determinados
A minha espera pára tudo
Interrompe qualquer movimento
Só não consegue paralisar
As engrenagens do tempo

Manoel Gonçalves

quarta-feira, 19 de março de 2008

Menina Mulher

Gosto do seu jeito de menina
Do seu modo de se mover
Flutuando como bailarina
Escondes o róseo da face
Finge o mundo não ver

Gosto do seu jeito de menina
Das suas formas de mulher
Do veneno que me contamina
Do seu olhar ardente
Que incendeia meu ser

Gosto do seu jeito de menina
De sorrir, sentir e brincar
Gosto do seu jeito de mulher
De olhar-me de canto de olho
De me tocar e me encantar
De não deixar uma saída sequer
Senão a de lhe apreciar

Gosto do seu jeito de menina
De como se transfigura no ar
Gaivota livre a voar
Dona da própria sina
Gosto do seu jeito de mulher
De suas rimas, suas canções
Da sua maneira de poder mexer
Com todas as minhas sensações

Vai, gaivota, no céu
Seja menina
Seja mulher
Seja o vento, o mundo
Seja o que seu coração quer
Seja tudo que possa ver
Enfim, seja simplesmente
Como você realmente é


Manoel Gonçalves

quarta-feira, 12 de março de 2008

Desabafo de Mãe está de volta!

Mães, pais, padrinhos, madrinhas, tios, tias, avós, amigos, todos. Corram para a frente da telinha, acessem o site do Desabafo de Mãe e podem viajar à vontade. Ele está de volta. Ficamos um pouco fora do ar, por motivos de reformulação, para fazê-lo ainda mais interativo, dinâmico e com mais conteúdo, mas agora acabou o recesso (sem fazer alusão à política). O espaço é de todos, feito por muitos e para todos aqueles que amam os filhos ou crianças próximas, ou seja, para quem aprecia a arte (para não dizer dura, mas prazerosa tarefa) de educar as crianças. Visite cada espaço e não tenha medo ou vergonha de nos mandar um comentário, dúvidas, sugestão de tema para ser abordado ou mesmo um desabafo sobre a sua experiência com a maternidade ou paternidade. Ah, você não é pai nem mãe. Não tem problema. Se pensa em um dia entrar para esse time ou se interessa pelo assunto, venha nos conhecer.

Um super abraço e aguardo sua visita.

terça-feira, 11 de março de 2008

Oculto

O pássaro não precisa que o fotografem em vôo para saber que voa. O sol não precisa aparecer sempre para que saibamos que ele está lá. Ninguém vê a formação do orvalho, mas toda manhã ele cobre as plantas e as deixa encantadoramente refrescadas. A lua não precisa aparecer para incitar o poeta a escrever seus belos versos. A pessoa amada não precisa ouvir sempre "eu te amo" para saber que alguém se preocupa com ela e quem ama transmite toda a força e sinceridade de seu sentimento em tudo o que faz, desde os atos mais simples até uma declaração mais fervorosa. O amor é recíproco, tenham certeza. Talvez não na mesma intensidade, talvez não na mesma linguagem. Mas ele está lá, marcando seu território e impedindo que sentimentos vis se apoderem da mente, do corpo e do espírito. Mesmo que os olhos não o vejam, o coração sentirá sempre e a mente não deixará que se apague. E assim, como o orvalho, toda manhã (ou qualquer outro período, conforme cada pessoa), ele se formará e se renovará, com a simplicidade de uma gota d’água, mas com a força de um desabrochar da flor, revelando a pureza e a beleza de quem o detém. É a paz que se sente ao sentar numa montanha e olhar o céu. Sentir-se pequeno frente ao céu alaranjado ao pôr-do-sol. E o espetáculo de um belo raiar do dia. Tudo isso misturado em nosso corpo, mera armadura forjada no ápice desse sentimento, preparando-se para irradiar a todos, como uma explosão da super nova, como o oxigênio que abraça carinhosamente o planeta e protege a diversidade de seu interior.

Abraços.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Amigos presentes

Há pessoas que, mesmo que se passe um tempão ou que elas fiquem muito longe, são inesquecíveis e quando a reencontramos parece que as vimos poucos minutos atrás. Não interessa há quanto a conhecemos. São pessoas que deixam suas marcas em nossas vidas, pelo que fazem, pelo que pensam, pelo que representam ou simplesmente pela agradável presença. Sou um homem abençoado por ter muitas pessoas assim em minha vida, as quais não medem o que sinto por elas pelo tanto de vezes em que vou em suas casas ou pelas cartas ou telefonemas que faço (assim como eu também não as julgo por isso). São elas conhecidas de muitos anos, recentes, de trabalho, de escola, do bairro onde cresci, das andanças por aí, das navegações pela internet, dos contatos pelo MSN, enfim, não importa de onde, o que importa é o que sinto por elas e o que delas recebo em troca. Para essa ilustres figuras fiz o verso abaixo. Sintam-se homenageados com esse gesto simples. Abraços.


Amigos presentes

É engraçado como o tempo
Tão senhor do nosso destino
Pode se tornar tímido
Tão pequeno como um menino

Quando a gente pensa
Nas pessoas que gostamos
Podem passar as horas
Podem voar os anos

Ele parece não passar
Encontramos as pessoas
Falamos ao telefone
E surgem as lembranças boas

Sentimos como se nada
Tivesse passado ou acontecido
Como fossem segundos
O tempo de fato vivido

E assim é que é bom
Mesmo que distantes
Amigos a gente não esquece
Mesmo sem vê-los
Ou mesmo por perto tê-los
Sua presença é pressentida
E deles na vida nos servimos
São gelo no calor escaldante
E a lareira que nos aquece
A mão que nos procura
E o ombro quando pedimos

Manoel Gonçalves

sábado, 16 de fevereiro de 2008

Noite longa

A noite se arrasta
Madrugada adentro
O tique-taque não basta
Ela ignora o tempo

Eu parado aqui
Largado no sofá
Sem vontade de dormir
Pensando o que rabiscar

Essa folha branca na mesa
Parece ficar gigante
A mão não acha a leveza
E a inspiração está distante

O jeito é deixar pra lá
Ver um filme ou ligar o som
Sair por aí para caminhar
Cair na noite, aproveitar o que é bom

Talvez quando eu voltar
Quem sabe seja diferente
Talvez quando eu acordar
Quem sabe num banho quente

Manoel Gonçalves

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

Despedida de um suposto inocente

Este é um conto que foi publicado dia 9-02 no blog Livro Aberto, editado pela Lunna Guedes, do qual participo todos os sábados. Por falar nisso, amanhã (23-02) tem mais um. Confira!



Abraços.





Despedida de um suposto inocente


Pela janela vejo a noite escura e sombria. Não há lua no céu, o que torna a noite mais enigmática. Uma sensação estranha permeia os meus sentimentos. Não sei exatamente o que me deixa assim, mas faço uma idéia. A noite silenciosa me convida às reflexões, às vezes banais, às vezes existenciais. Nessas últimas é onde me perco. Mas também é onde tenho a oportunidade de sair desse marasmo.


Não sei como vim parar aqui. Essa cela abarrotada de gente, fria e fedida. Um lugar onde a gente se esquece quem é e das coisas que mais gosta de fazer. Ontem, ao menos, foi diferente. Sai. Não fisicamente, é claro. Viajei por mundos distantes. Consegui vislumbrar além desse quadro de alvenaria. Voei acima das nuvens. Explorei os mares e seus segredos. Conquistei riquezas que jamais sonhava em possuir. Enfim, consegui sonhar. Era um paraíso. Mas a realidade crua me puxou de volta e cá estou, acuado, fragilizado e sem esperança.


Não lembro o que houve. Só sei que entrei num bar para espairecer. Andava meio desconfiado. Já havia algum tempo parecia não ser eu mesmo. Algo diabólico me rondava. Mas naquela noite o meu destino estava selado. Só me vem à memória que vi uma amiga, a qual platonicamente eu namorava, acompanhada por um cara. Meu mundo caiu. Tomei umas seis doses e tudo de apagou. Dizem que foi medonho, bárbaro. Mas eu não fiz nada. Só lembro-me de ter acordado na delegacia. E depois, aqui. Jurei inocência, mas ninguém acredita e riem da minha cara dizendo que aqui todos assim se definem.


Depois de tantas investigações, enfim, descobriram o verdadeiro assassino. E selaram sua condenação. Mas o pior foi saber que ele veio para o mesmo lugar que eu. Fiquei ao mesmo tempo furioso, por saber que ele é o culpado de eu estar aqui, e temeroso, pois sei que ele é cruel demais. Ele já soube que estou aqui e como não tem muito espaço nessa prisão, sei que em breve ele virá. Está furioso e disse que eu fui culpado por pegarem-no. E não gostou. Sua fúria está incontrolável. Jurou vingança. Disse que acabará comigo e que de hoje não passo. Tento lutar para me manter aqui, mas já não tenho mais forças. Acho que será essa noite. Ouço seus gritos aterradores. Não poderei enfrentá-lo. Sou fraco demais e não há espaço nesse corpo para nós dois. Então, só me resta contemplar a noite escura e me conformar. Sei que não vou sair daqui mesmo. Aqui não é lugar mesmo para pobres sonhadores. Eu seria devorado se permanecesse aqui. É melhor abrir espaço para a sua raiva e aceitar que ele suma com o que resta de mim. Sem esperança, é melhor deixar que tome o controle. Ele já é maior que eu mesmo e me engole aos poucos. Depois de ter “experimentado” o gosto do sangue, em vez de se arrepender, gostou. Serei a próxima vítima de sua falta de escrúpulos. Somente mais uma dentre as inúmeras que acho que fará. Pobres idiotas que aqui estão. Serão meros corpos com o passar dos dias. Ele os devorará. Minhas forças somem e as dele, criatura maligna, crescem. Só queria ter tido mais tempo e mais coragem para lutar. Faltam poucos momentos de lucidez. Os últimos. Depois, sei lá onde estarei. Serei apenas o reverso do espelho da outra face, a do mal. A que se mostrou mais forte e que está prestes a cometer mais um homicídio, o meu. Já não há mais tempo. Já não há mais nada.


Fujam pobres presas, pois ninguém ficará vivo ao meu lado... isso me fascina... sangue, ossos quebrados, olhos de súplica, gritos e... mais SANGUEEEEE!


Manoel Gonçalves

Manogon no Coletânea Artesanal

Está no ar mais uma edição do Coletânea Artesanal, com o tema Cenas Urbanas. Há dois textos meus nessa edição: Mutações (poema) e Quebra-queixo (conto).

Visite, leia e comente. Ficarei honrado com a sua leitura.

Abraços.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

Cartão corporativo: cheque em branco

Sei que o assunto não é novo, mas tenho ouvido tanta coisa a respeito que é impossível não comentar. A Samantha fez um post (Cartão Corporativo) sobre o tema em seu blog e também publicou no Nossa Via, O bem amado cartão corporativo. Assim como a Sueli também postou no blog do Desabafo de Mãe em Deixa que eu pago.
Então, não vou estender muito o papo. Eu vejo nisso uma questão muito simples. Por que políticos e funcionários públicos de alto escalão têm o direito ao cartão? Não que eu seja radical, mas sinceramente, há necessidade disso? A maioria tem passagem de graça, bônus para um monte de coisas (auxílio moradia, combustível etc, etc, etc que todos já estão exaustos de saber) e ganham muito bem para suprir as despesas. Mas vá lá, nem em sonho ou a pauladas eles vão extingüir os cartões e acabar com as mordomias. Mas então por que não colocar limites de gastos? Se é só para eventuais emergências, como estão dizendo por aí, estipula-se um teto (baixo) para as despesas. Outro detalhe é o saque permitido. Caramba! Onde já se viu ter saque liberado (ainda mais de dinheiro público) e sem necessidade de prestação de contas. Aí, até o mais bobinho, de tanto ver os outros levando vantagens, vai querer um pedacinho do filé. Eles já não ganham muito bem, então que paguem as contas, não há necessidade de saques. Mas se quiserem, por motivos de que em alguns lugares não se aceita cartão (só se for em vilarejos ou barraquinhas e, mesmo assim, é possível achar), que seja ficado um teto para saque e qualquer valor acima disso seja devolvido aos cofres públicos. Não sei exatamente como funciona nas empresas, mas acho que os funcionários, mesmo da cúpula, não devem ter um cheque em branco nas mãos, acredito que prestam contas e vez ou outra a empresa passa por auditoria.
Até para não ficarmos com cara de idiotas e o Brasil com jeito de "samba do crioulo doido" ou "aguá benta" (onde todo mundo mete a mão) é preciso que os culpados sejam punidos, seja de qual partido for, e devolvida pelo menos uma parte dos gastos descabidos. Tá legal, já passou a época do Natal e já estou grande para acreditar que ele existe. E que a corja está preocupada no bem-estar da Nação ou no crescimento da economia brasileira. Só há olhos para os possíveis ganhos. Infelizmente. Será que algum dia vão parar para pensar nisso? Entrando os filhos nos lugares dos pais (política e nepotismo ou cabide empregos parecem ser sinônimos) e com as mesmas práticas de "farinha pouca meu pirão primeiro", acho muito difícil.
Abraços.

Manogon no blog Livro Aberto

Tem texto meu no Blog Livro Aberto, editado pela Lunna Guedes. Quem quiser, acesse, leia e comente. Ficarei honrado com a visita.

Conto: Despedida de um suposto inocente

Abraços.

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

A mulher e a rosa

E esta aqui foi para a minha outra preciosidade, Bianca, que está crescendo depressa demais para a minha corujisse e devagar demais para a sua curiosidade e ansiedade e, com o avançar dos anos, deixará de ser minha criança para ser uma mulher maravilhosa, em todos os entidos, mas ainda "minha pequena". Assim é a vida, mutante, e tudo passa muito rápido.

A mulher e a rosa

A mulher como a rosa é
Macia
Cheirosa
Linda
Mas também tem seus espinhos
Porém, é sempre sua beleza
Que fica, que predomina
E que a faz uma beldade
Admirável

A rosa surge aos poucos
Em meio a galhos espinhentos
Ali, tímida, sem graça
Cresce, se desenvolve
Mas ainda sem muita graça
Surge em botão
Uma coisinha de nada
Quando as pétalas aparecem
Fica diferente
Interessante
Mas é quando desabrocha
Que a todos encanta
Quando solta seu aroma
É que enfeitiça aos amantes
Passivos observadores
Sua beleza irradia
E mesmo quando murcha
As pessoas ainda lembram de sua formosura
E até guardam suas pétalas
Para que ela continue existindo
Mesmo que nunca tenha de fato sumido
Desaparecido das mentes

Assim é a mulher
Surge do amor
Fica uma coisinha de nada
Cresce na barriga, nasce
Enche os olhos de alegria
Todos se encantam
E a todos conquista
Nas diversas fases vividas
Mas só quando desabrocha
Deixa sua peraltice de menina
E assume os mistérios da mulher
Muda por fora e por dentro
Desenvolve as inteligências
Reforça todos os sentidos
E se forma de uma vez
É que hipnotiza quem a vê
E, mesmo quando passa e se vai,
Deixa seu rastro
Imprime sua marca
Semeia sua fortaleza
Erroneamente chamada de frágil
Só porque tem um lado simples
Encantador como a criança
E assim, como que esperando sua volta
Todos cultivam sua lembrança


Manoel Gonçalves

Piquininha

Esta aqui é muito meiguinha. Foi feita pra minha menininha, a mais nova.

Piquininha

Nariz de batatinha
Olhos de jabuticaba
Rostinho arredondado
E cabelo bagunçado

Chupa o dedo
Pega a fronha
Encosta em alguém
Fazendo manha
Seu travesseiro é o “nenê”

Fala muito e é esperta
Não dorme muito cedo
Pula, brinca, faz a festa
Só ao papai chama
Quando está doente
Mas se está sadia
Fica elétrica, com muita alegria
E aí, não há quem agüente
Quem pede ajuda é a gente

Essa sapeca menina
Pra mim será sempre Piquininha
Caçula e miudinha
Só podia ser nossa filha
A quem chamamos Sofia


Manoel Gonçalves

quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

Coletânea no ar e Desabafo no Ibest

Saiu a nova edição do Coletânea Artesanal, a segunda em homenagem à cidade de São Paulo. Sei que minha opinião é tendenciosa, mas essa edição está muito boa mesmo. Participo com dois textos: o poema Sampa (que foi publicado aqui) e o texto Café da manhã, inédito. Acesse o link do Coletânea Artesanal e confira. Presenteie-nos com seus comentários. Eles têm muito valor para nós.

Acesse também o blog do Desabafo de Mãe, onde escrevo semanalmente. Leia os posts e aproveite para votar no Desabafo para o prêmio Ibest. O link está na página do Blog. Olha, dá um pouco de trabalho por causa do cadastro e da validação da senha, mas isso é para evitar fraudes ou repetição de votos com o mesmo login. Pedimos sua paciência e seu voto. Ajude-nos a ter mais destaque na blogosfera. Com certeza, o sucesso do blog deve-se à participação dos leitores.

Obrigado.

Abraços.

terça-feira, 29 de janeiro de 2008

Vida mansa

Ir e vir
Vai e vem
A rede balança
Um corpo embalado
Lá e cá se lança
O ritmo não cansa
Mas alivia o cansaço
Convite pra vida mansa
Só pra deitar
Só pra ficar
Fazendo coisa alguma

No rosto o carinho do vento
Vendo o dia passar
Virado de papo pro ar
Ou então a noite inteira
Os olhos vidrados no céu
Admirando as estrelas
Na mesa ao lado
Cuidadosamente colocados
Livros, lápis e folha
Ah, e uma branquinha
Pura e suave

Que vem lá da fazendinha
E a minha garganta molha
Mas há ali também
Entre um vai e outro vem
Onde o braço possa alcançar
Água de coco fresquinha
Adocicada, geladinha
Pra quando o calor aperta

A minha sede matar
Cabeça jogada pra trás
Voando feito as rolinhas
Perdida em pensamentos
Viajando em palavras minhas

Manoel Gonçalves

sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

Andanças em Sampa

Texto na íntegra de Andanças em Sampa, que saiu na edição anterior (15-01) do Coletânea Artesanal.

Andanças em Sampa

Não conseguia dormir. Apesar de esgotado, não conseguia dormir. Virava na ama como um ponteiro louco de relógio, descompassadamente. É, não ia ter jeito mesmo, teria de sair um pouco e espairecer. Mas não queria encontrar ninguém, não queria ir a nenhum lugar específico. Assim sendo, peguei minha jaqueta e sai sem destino. Caminhei até a estação, entrei no metrô e quando dei por mim, já estava na Av. Paulista. Ali, engolido pela imponência dos enormes edifícios e pela inquietação da noite, poderia deixar de ser um pouco eu mesmo e ser absorvido pela paisagem boêmia da noite. Sem me prender a nada, caminhei pelas largas calçadas e, por vezes, divagava observando pequenas poças d’água que se formaram após a rápida chuva, resultado de um dia calorento e abafado.

Atravessei a Rua Augusta e dei uma espiada no movimento frenético dos bares e boates que fervilham mais pra baixo, sentido centro da cidade. Do outro lado, o Conjunto Nacional, uma passagem obrigatória em minhas andanças naquela região, por causa da Livraria Cultura. Tão distraído que estava que quase fui atropelado por uma motorista desvairado. Provavelmente alguém apressado para não perder a balada. Mais a frente, passei pelo Masp e o Parque Trianon. Ainda hoje me admiro pela arquitetura ousada desse marco de São Paulo e que nos proporcionou o vão do Masp (muito embora a vista que se tinha antigamente tenha sido engolida pelo concreto). Passei pelo prédio da Gazeta, observei o emblemático edifício do Sesi, onde costumo assistir aos espetáculos em suas temporadas, e quando dei por mim, estava descendo a Brigadeiro Luís Antônio.

À noite, quando tudo está silencioso e notívagos, bêbados, baladeiros e prostitutas vagam pelas ruas, tudo parece sombrio, tudo parece abandonado. Lojas fechadas, botecos exibindo seus últimos clientes totalmente despidos de seus modos civilizados, a luz fraca dos postes, tudo contribui para uma visão de uma cidade em quadrinhos, uma Gothan City estilizada. E nesse cenário, pareço um roteirista escrevendo o próximo capítulo, bebendo de sua essência, inalando o odor do lixo e a mistura de cheiros que emanam dos becos e ruas úmidos. Subitamente paro, inerte como que enfeitiçado, vítima fácil para um predador. Até que recebo a pancada. Saio correndo e entro na Rua dos Ingleses, esgueirando pelas frestas, desço a escadaria e surjo na Rua 13 de Maio. Tenho que achar um lugar. Recebo outra pancada. É cada vez mais forte. Rápido, depressa, não posso ficar parado. Corro pelo Bexiga como um louco. Vejo uma cantina aberta, mas pelo meu estado o porteiro me encara e como não tenho tempo para me explicar, continuo a correria. Entro num barzinho, sedento e quase em frenesi, pego uma mesa no canto e me escondo. O garçom chega um tanto assustado, pergunta o que desejo. Digo-lhe que não posso perder tempo. Peço uma cerveja, mas antes uma caneta. E ali, no guardanapo mesmo, solto o que estava me deixando louco. Sinto-me cansado, mas feliz. Enfim, encontrei o final que tanto procurava para a minha história.

Manoel Gonçalves

quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

Deixar-se levar

Se a brisa da manhã soprar
Abra um sorriso e a sinta em seu rosto
Se o vento da tarde vier
Ponha a roupa no varal
E leia um livro na varanda
Ou debaixo de uma árvore
Se o sopro morno da noite chegar
Solte os cabelos, perfume o corpo
E se entregue às carícias da madrugada
Sob a luz da lua, sob o calor do edredom
Se o raio do sol invadir o quarto
Não se preocupe se não dormiu
Lave o rosto, ajeite o cabelo
É dia, é manhã, é esperança
É o recomeçar sempre
E se o sol não aparecer
Não se chateie
Feche a janela
Ligue o som
E volte pra cama
É bom adormecer
Ainda com a sensação de prazer
Ainda ouvindo o sussurro
Ainda sentindo os carinhos
Como se o momento fosse infinito
Como se a vida congelasse
No ápice da emoção
No gozo, num gemido

Manoel Gonçalves

quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

SAMPA

São Paulo
De amores
horrores
odores
dores
calores
cores
flores

São Paulo
amante
errante
gigante
massificante
dançante
importante
infante
instigante

São Paulo
minha São Paulo
nem o grito das sirenes
nem o estalar das balas
nem o fétido lixo nas calçadas
nem o ritmo acelerado
nem os pobres abandonados
nada
absolutamente nada
pode tirar o seu brilho
sua luz amarelada da madrugada
o sol nascendo entre os prédios
o cheiro do pão tomando o bairro
os operários no chão após o almoço
a moça que passa requebrando
a criança que sorri na condução
e puramente dá um tchauzinho

Assim é São Paulo
uma senhora que nos olha
parece ter rugas e estar cansada
mas no fundo é uma menina
acenando e mandando beijo
convidando a sempre visitá-la
estendendo seu braço
para um afago
e pedindo bis

O sol se põe entre os prédios
sim
ainda há beleza nessa metrópole
ainda há brilho em seu olhos
e doçura em seus lábios
A cidade descansa?
Nunca
Aí é que começa a fervilhar
O ciclo não pára
Sempre se renova
se inventa e inova
sempre colocada à prova
sempre acolhedora
como o colo quente da mãe
a acariciar as madeixas
dos filhos que vão e vem
sempre esperando que um dia voltem

Homenagem à cidade de São Paulo.

Manoel Gonçalves

Texto meu no Coletânea Artesanal

Ontem saiu mais uma edição do Coletânea Artesanal, dessa vez com homenagens (poesias e textos) à nossa grande cidade de São Paulo. O meu texto chama-se Andanças em Sampa:

Andanças em Sampa

Não conseguia dormir. Apesar de esgotado, não conseguia dormir. Virava na cama feito um ponteiro louco de relógio, descompassadamente. É, não ia ter jeito mesmo, teria de sair um pouco e espairecer. Mas não queria encontrar ninguém, não queria ir a nenhum lugar específico...

Pode ser conferido na íntegra lá no blog. Acessem, visitem e comentem.

Abraços.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

Foi a primeira vez que passou a virada de ano na praia. Teve a oportunidade em outras ocasiões, mas nunca deu certo. Bom, dessa vez deu. A expectativa era grande, assim como a decepção quando lá chegou. Falta de água em toda a região. Fila para todo lado. Gente se amontoando em todos os cantos. Comida e bebida a preços absurdos. O que parecia ser um passeio só não se transformou em pesadelo por causa da maravilhosa queima de fogos, do passeio noturno (quer dizer, parecia não ter saído da muvuca da cidade) com o som do mar, umas cervejas na mesa, amigos e algumas porções de peixe e camarão (tabelados pelo topo da alta temporada).
Mas a decepção mesmo foi com a educação do povo, pois havia lixo em todos os cantos, nenhuma campanha de coleta de lixo com distribuição de sacolinhas e instrução para que os banhistas levassem seu lixo e o depositassem nas lixeiras maiores. Tudo jogado na areia para ser arrastado depois pelo caminhão da prefeitura.
O cenário se complicou com a água suja, imprópria para banho, mas que não tinha aviso nenhum, nem no noticiário nem na praia. Isso resultou em virose nas crianças e na mulher e algum tipo de vírus que lhe rendeu picos de febre e uma tosse chata por vários dias. Como as pessoas sujam com esgoto aquilo que pode ser revertido em lucro para o comércio e arrecadação para a cidade, pois o motivo de tantos turistas viajarem para o litoral é porque gostam da praia e não da sujeira.
A diversão foi momentânea, mas as lembranças do insucesso do passeio ficaram marcadas.
Da próxima vez, quem sabe, um passeio para algum sítio seja muito mais prazeroso e saudável também.

Volta

Manogon na área para mais um ano de muita atividade e esperando escrever sempre mais.

Abraços.

Ótimo ano a todos.