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quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Ubaldo, Badinho, Badí


Ubaldo, Badinho, Badí


- Ei, você, viu Badí?
- Olá, onde ele está?
- Ui, ai, aonde Badí vai?
- Menina, corre aqui, vá chamar o meu Badí. Diga-lhe que estou aqui, aflita, com a gota atacada, andando torta, desajustada.
- Seu Zé, me faz um favor? Apelo ao Santo Nosso Senhor, que o senhor vá na carreira buscar Badí. Vê lá na goiabeira, fala pra ele não dá bobeira. É que eu já ando na tremedeira de meu Badí fazer besteira.
- Homem, por onde Badí se enfiou? Pegou outro rumo? Evaporou? Eu estou aqui nesse batente, a perna dói, me bate os dentes, sinto aflição, fico dormente.
- Ah, dona Maria, me pega aquela bacia que eu vou jogar sal grosso, rezar Ave Maria, pedir pra todos os anjos que façam lá seus arranjos, mas me tragam meu Badí, nem que seja aos solavancos.
- Corre Nina, voa Nino, depressa Jair, chama logo meu Badí, que eu já não agüento mais de saudade do meu rapaz.
- Badí... Badí... Badí...
Mas Badí não ouviu. Ninguém sabe ninguém viu. Só um corpo boiando no rio. Sem lenço nem documento, sem nome nem sobrenome. Nem ao menos um ser humano, um fulano, beltrano ou ciclano, que fosse bolar um plano de tirá-lo dali, de levar o pobre Badí.
Badí que nasceu Ubaldo, mesmo nome de seu pai, que ganhou o mundo e não voltou mais. Virou Badinho, por causa da mãe do padrinho, que lhe enchiam de carinho. Devido à priminha Gabi, virou de vez o Badí, que vivia aqui e ali.
Badí da mãe querida, que por causa de uma ferida, da doença envelhecida, vivia vida sofrida. Só tinha mesmo a Badí, a quem recomendava estudar pra sair dali. Mas Badí com isso não dava. Fugia, corria e pulava, jogava bola e fumava, e até birita tomava.
Porém, mesmo assim, era bom esse Badí. E a tragédia que conto aqui foi porque ele, junto dos amigos peladeiros, pulou o quintal do Teobaldo, velho sisudo e malvado, só para pegar caqui. Teobaldo nem pensou, chamou os cabras e mandou que daquilo eles cuidassem. E foi o que se passou. Foi na covardia, no meio da gritaria, enquanto Badí corria, que a bala no ouvido zumbia. Com um tiro no meio das costas, tombando no meio da bosta, Badí morto caía.
- Badí... ah, Badí... onde está o meu Badí?
Mas Badí não ouviu.
Seu corpo bóia no rio.

Manoel Gonçalves (Manogon)

Sarau na Casa Amarela em São Miguel Paulista - Sarau Agora ou Nunca

vs. eu: Sarau Agora ou Nunca - Erivaldo dos Santos na Casa...: Eu, justo eu, que adoro uma roda de conversa, principalmente sobre literatura e cinema (minhas paixões), tive que bancar o advogado do di...

Domingo, de grandes encontros, pessoas fascinantes e discussões acaloradas. Dali, além do enriquecimento cultural, um compromisso de falarmos e agirmos mais em prol da produção, difusão e distribuição da cultura feita longe das mídias, nos diversos polos periféricos ou desconhecidos dessa imensa São Paulo. Produções culturais que não são divulgadas e não chegam às mãos (olhos, ouvidos...) da população, seja a que está acostumada a esse tipo de consumo, seja a que é carente dessa brisa benfazeja e necessária à formação de um indivíduo mais completo. no final do texto, há um conto poético que fiz. Espero que curtam.
Abraços.

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012









Painel da Pequena Sereia. Tinta de tecido sobre algodão cru.
Medida aproximada 2,20m x 1,40m.
Manoel Gonçalves

Esperar...


O que esperar?

Descansar
Dos percalços da estrada
Do cotidiano puxado
Da longa e laboriosa caminhada
De todo um ciclo passado

Brotar
Da cabeça o sonho
A árvore da semente
Das letras os sentimentos
A ideia contida da mente

Renascer
Para o dia que se anuncia
Um novo ano, uma nova vida
Novos planos, futuras conquistas
Para os desafios preciosos da lida

Esperar
Que o descanso nutra e revigore
Que brote a semente da paixão
Renasça sempre a esperança
E nunca morra a compaixão

Manoel Gonçalves

terça-feira, 24 de abril de 2012

Jeito Simples




Jeito simples

Sentado à beira da porta
Escorado no batente
Olhando pro nada
Vendo as galinhas correr
Sentindo a brisa da tarde
Descansando o esqueleto
Moído da lida diária

Espreitando o laranja do céu
Se perdendo em meio à fumaça
Do cigarro de palha
Do fogão à lenha
Do café fresquinho
Na caneca de estanho

A “nega” se balança na rede
Os filhos estão por aí
O sorriso estampa alguns dentes
O rosto é marcado por rugas
Do sol, da idade, da vida

Assim, a noitinha chega
E só resta ir pra rede
Que o dia se aproxima
A madrugada fria o espera
Num convite rotineiro e solitário

Antes que o dia clareie
Antes mesmo que ele esquente
Seu suor já terá molhado a roupa
Sua fome se fará quase danada
E suas mãos não sentirão nada
De tão acostumadas e calejadas

Assim ele contempla sua terra
Sua vidinha simples no sertão
Apanha seu facão e o enxadão
E se embrenha na roça
Pra garantir da família o pão

Nessa paz, nesse silêncio
Que as cidades desconhecem
Nesse som desbravador
Que o cimento não ecoa
Tudo seguirá seu ritmo
Suado, mirrado e árduo
Mas feliz
Feliz por ser tão seu

Tão seu como o fim de tarde
A fumaça...
O café...
E a rede...

Manoel Gonçalves

quinta-feira, 19 de abril de 2012

Sofia, a joaninha




Um gesto simples
Sorriso ingênuo
Puro e cativante
De quem ri de si mesmo
Ri dos e para os outros
E das belezas do mundo
A mão que se acaricia
Os braços que amarram
Que se fazem presentes a todos
Dos olhos não surgem lágrimas
Não só bailam as escuras pupilas
Explodem alegres super-novas
E calorosos raios solares
Bendita seja, ó Natureza,
Por ter criado algo tão belo.

Manoel Gonçalves
(para a minha joaninha, que brilha e encanta todos os dias em meu jardim)

terça-feira, 17 de abril de 2012

Piruetas no Ar




Lá no alto o menino se agarra

Às linhas, aos sonhos, ao encanto
À farra de não ter amarra
Aos giros que causam espanto


Lá no alto o menino se choca

E vê graça na plateia retesada
De olhos arregalados no lugar da boca
De “queixos suspensos” na cabeça virada


Lá no alto é menino, é pequenino

Balança sob a luz do luar azulado
Mas se agiganta sorrindo o menino
Comove e encanta em seu lindo bailado


Voa menino, voa

Faça pirueta no ar
Canta que sua voz ecoa
Brinque e nos leve a sonhar



Manoel Gonçalves

segunda-feira, 26 de março de 2012

Chico Mestre do Riso

Chico Mestre do Riso

Era Chico
Era Anysio
Um apenas não
Uma legião
É alegria
Inspiração
É, sim, e assim continuará
No presente, como presente
Intelecto, vontade, talento
Riso, magia que não se apagará

Era Chico
O Anysio
Oxi, Aff, Coisinha, ó Painho
Pô, ele também era Xovem
Era Tim, Justo e Paipai do Castrinho
Azambuja, Bento e Popó 
Coalhada e a falante Salomé
Silva, Tavares e Bozó
Pantaleão, marido de Té
Haroldo, o hetero pegador
Alberrrrto, o eloquente ator
E assim eram mais de duzentos
Sendo Raimundo o primeiro rebento

Nem só Chico
Nem Anysio somente
Muitos nomes, vozes, figurinos
Povoavam sua mente
Nem como Chico isolado estava
Em outras facetas da arte
Sendo destaque ou fazendo uma parte
Com competência transitava
Vai lá, mestre do riso
Querido Chico Anysio
Mas mande a Salomé se adiantar
Ligar pro Pedrão e reservar
Espaçoso e confortável lugar
Pois tem 200 para se hospedar

Manoel Gonçalves



Minha homenagem a quem entrava em nossa casa, mesmo sem pedir licença, e fazia do riso a sua crença, trazendo uma multidão de personagens engraçados e memoráveis. Pra quem não tinha medo da morte, tinha pena de morrer. Nós também. De perder uma pessoa talentosa e que faz o povo rir e de saber que o humor ficou mais pobre.

quinta-feira, 8 de março de 2012

Feliz dia, Mulher!

Reproduzo aqui um texto que escrevi quando escrevia pro Desabafo de Mãe. Carinho às mulheres e que todos os dias possam ser dedicados a elas e ao convívio harmônico com os homens, pois é essa junção que faz a edificação de um relacionamento, a educação e transmissão de valores, a maturidade de uma sociedade. Não somos melhores que elas porque temos algo mais entre as pernas e fazemos xixi em pé. E elas não são melhores que nós porque são frágeis, espertas, ternas etc (tudo o mais que é constantemente jogado nos meios de comunicação e nos e-mails de corrente ou piada). Somos diferentes, cada qual com suas qualidades e defeitos. Separados podemos nos resumir a essa disputa insana que rompe gerações, juntos e compartilhando, ensinamos e aprendemos, somamos, dividimos, multiplicamos. É essa diferença que enriquece. Beijos meninas, principalmente as minhas.



Ser mulher é vibrar de emoção por saber que pode gerar uma outra vida, e mesmo que por algum motivo não consiga, estar apta a receber o filho de outro como se fosse seu; é ser criança brincando de trocar fralda das bonecas, fazer papinha e dar na boca de todos, até dos bichinhos de pelúcia; ser vaidosa desde pequena, escolhendo roupas, combinando tudo, explicando para o pai que o sapato que ele pegou não fica bem com a calça que ela quer; é ficar irritada sem motivo ou achar que tem todos eles para ficar; é ser carinhosa, curiosa, querer mexer na bolsa da mãe, do pai, procurando “coisinhas”; usar o batom e as roupas da mãe; adorar dormir com a camiseta do pai; ficar maluca com as irritações dos garotos; agüentar o ciclo menstrual todo mês (sem esquecer a temida TPM); descobrir a paixão e sentir a melhor mulher do mundo e fazer o homem se sentir assim também; falar pelos cotovelos e dar conselhos de tudo, desde como curar resfriado até como perder as gordurinhas a mais; é se achar sempre gorda, mesmo que o marido/namorado/pai diga mil vezes que não; é ser várias para dar conta da família, da casa e do trabalho; e tantas outras coisas mais que não cabem em apenas um dia.
Mas, acima de tudo, ser mulher, como as vejo, é ser única. E, apesar da luta pela melhoria da classe feminina, não precisar ser diferente ou querer ser melhor ou pior que os homens. Não dar bola para a interminável guerra que a mídia alimenta entre homem e mulher, porque são partes complementares. E como tal, unidas, podem fazer muito para a sociedade e, em particular, por cada família, a começar por educar os filhos de uma forma mais justa, fraterna e incentivando o cultivo a esses valores. Há quem reclame da forma como as mulheres “lindas e fúteis” são fabricadas ou como os homens “bombados e abobados” as tratam, mas ninguém critica onde tudo isso começou, ninguém incentiva a mudança de partilha e participação entre os dois sexos. Como disse num comentário recente, lavar pratos e ajudar a cuidar dos filhos não faz “cair as coisas” e inteligência, habilidade e competência não têm a ver com a natureza sexual de cada ser. São sensibilidades que podem ser desenvolvidas por qualquer um. Portanto, a mulher também não precisa se masculinizar para ganhar espaço no campo trabalhista. Podemos e devemos conviver em harmonia e parceria, cada um enriquecendo o que o outro ainda não desenvolveu.


Abraços.


Manoel Gonçalves

Dorme menina, dorme!

A criança grita
Sem parar ela chora
Mamãe quer dormir
Enlouquece, esbraveja, implora
Bate em tudo que vê
Quiçá até mesmo no bebê
A criança grita
Pede, berra, chora
Como sua genitora, também implora.
A ela, um pouco de atenção
Carinho de mãe, naninha
Palavras doces, canção
Mãos macias na sua carinha.
Àquela, um momento sem tensão
Sem carícia, sem astúcia, sempre cheia
Garganta arranha, roça raiva na mão
E a filha não dorme, se joga, esperneia
Pobres vítimas da diária labuta
Podre vitrine da fatigável luta
Ora inocente ora cheia de culpa
Mãe que não quer ser
Bebê que precisa crescer
Mãe, pra que você serve?
Se sua filha não vai amar
Bebê, por que você não dorme?
Assim não vai apanhar
E a noite se tornaria calma
Do jeito que deve ser
Dormiria sua inocência
Esperando o alvorecer
E aquela perdida alma
Cansada da violência
Talvez fosse amadurecer
Cuidando de sua criança
Para vê-la resplandecer
Calaria o grito e a pancadaria
Calaria a vizinhança
Que não mais se assombraria
Sem saber de onde vinha
Aquele som de estarrecer
E sem saber o que fazer
Dorme menina, dorme!
É o melhor que pode fazer.

Manoel Gonçalves (7-3-2012)