Páginas

quinta-feira, 28 de abril de 2011

Lá vem o Sol


Hoje o sol passa tímido entre as árvores
Hoje a luz derrama suas lágrimas sobre o solo
Hoje a paisagem é um tanto lânguida
A terra se resigna e recolhe suas cores
É dia de nevoeiro, dia arrastado, dia de reflexão
Dia de silhueta da mata, das montanhas, do humano
Dia de guardar a semente no solo úmido
De elas mesmas ficarem sob folhagens mortas
À espera da luz solar, do ar, da fotossíntese
À espera do sol a banhá-las com calor
E da chuva repentina a refrescar
É dia nublado, dia vagaroso, de pensar em vão
De aproveitar a neblina cortinando a alma
De descortinar os horizontes da visão
Umedecer as palmas no rio, acariciar a pedra
É dia de revolver a terra, demonstrar gratidão
Por toda a obra produzida, presenteada pela Natureza
Sem que um artista precisasse tocar-lhe em nada
As matérias são fartas
Os frutos são fartos
Os insumos reconfortantes
Finitos assim como tudo que nela está
Hoje o sol passa tímido entre as árvores
Chora seus fachos de luz
Escorrem entre os dedos das imensas árvores
É dia de nevoeiro, dia arrastado, dia de reflexão
Amanhã tudo se renova, tudo em si inova
E o Sol? Como diz uma bela canção dos Beatles
“Here comes the Sun, here comes the Sun
And I say it’s all right…”
E eu digo embalado pela melodia
IT’S ALL RIGHT! Pois lá vem o SOL.
 
Manoel Gonçalves

Obs: O título é igual a tradução da música, não como plágio, mas porque a mesma me serviu de inspiração, assim como a imagem anexa (retirada do banco de imagens free da Microsoft e modificada) e esse dia cinzento e chuvoso.

terça-feira, 26 de abril de 2011

Joias Raras

De todas as coisas
As que me são mais belas
Não são os botões de rosa
Nem flores do campo amarelas

De todas as coisas
As que mais aprecio
Não são do fundo do mar
Nem das águas frias do rio

Das coisas todas
As que mais me encantam
Não são noites estreladas
Nem músicas que pássaros cantam

Das coisas todas
As que me chamam a atenção
Não estão no céu, no espaço
Nem enterradas no chão

De todas as coisas
Aquilo que mais fascina
Se esconde num gesto singelo
Num riso doce de menina

De todas as coisas
O que me deixa contente
São diamantes lapidados
Brilho nos olhos da adolescente

Das coisas todas
Todas as coisas que sinto
Bebo-as na fonte da amada
Saciando meu peito faminto

De todas as grandes coisas
Das que são na vida mais caras
Levo-as comigo e nunca abandono
Tesouro incalculável, minhas joias raras

Às minhas musas, mulheres da minha vida (seres merecedores da minha total admiração) e fonte inesgotável de inspiração.
Manoel Gonçalves

Conto incômodo do canto de um cômodo qualquer

A pá arredondada e lisa do ventilador, em seu movimento livre, quase espontâneo, não fosse pela suave brisa a adentrar pela fresta da janela, reflete a cada giro a lânguida, porém desafiadora, luz emitida pelo tímido sol. A luminosidade amarelada vem banhar-me o rosto torpe, murcho como um pão amanhecido, amassado e retorcido ferro velho depositado na base de molas descompensadas e rangentes.
Essa luz intermitente, entrecortante, intrometida e interesseira, quer somente ser notada, deseja atenção plena. Ela não suporta me dividir com a penumbra e o mar de luzes coloridas que despontam no horizonte negro. Tampouco aceita a ideia de eu ser mais desperto no instante que ela está mais fatigada e busca o descanso do trabalho diário nesse lado do planeta. Ela, que tem a veneração máxima da maioria de seus filhos, só obtém um olhar secundário da minha parte. Sou filho da noite. Notívago nato.
Hão de me perguntar se sou avesso ao dia ou à luz intensa. Nada sério, digo. Eles me são bem caros. Sirvo-me deles muitas vezes. Não tenho mesmo vocação para modismos góticos ou folhetins vampirescos. Mas sou enamorado pela lua, principalmente a cheia (mera coincidência, insisto). Fascinado pela penumbra e pela vastidão perceptível de seu céu, só chego realmente ao meu ápice quando ele se tinge, primeiro num tom alaranjado, depois avermelhado, até chegar à ausência total da luz. É nesse momento que as forças se renovam, a metrópole pulula, ganha vida na efervescência das almas poéticas, etílicas, boêmias.
A radiante e teimosa luz não cansa de esbofetear minha face nessa manhã rançosa, querendo a todo custo transportar um pouco do calor do seu senhor e astro. Cansado desse vai-vem ininterrupto, forço-me a abrir os olhos. Primeiro relutante, querendo me esconder sob a cama, buscando qualquer coisa que impeça a luminosidade de ferir minha vista. Muito menos pelo desejo de despertar que uma impressão incômoda. Vencido pela insistência do brilho e pela sensação constante de que algo precisa ser feito. Viro-me para o lado, algo aporrinha. Sinto a pontada e então percebo uma lancinante vontade, a dolorida necessidade física de urinar. Lembro com muito custo que não deveria ter exagerado na ingestão de cerveja. Ah, mas a danada estava pra lá de gelada. Impossível resistir. A atmosfera era semelhante aos ares de uma estufa, como se a caldeira estivesse a uma laje abaixo de nós. A conversa animada com... putz, a vontade de novo! A galera animada... Ai, caramba, isso não importa agora. Não vai ter jeito. A luz não para. A dor aguda também não. Viro-me. Arrasto-me até a beirada do colchão. Um após o outro, os membros inferiores e superiores tentam reanimar o tronco e, por último, a cabeça. Toda fora de eixo, é claro. Sinos enormes me acompanham e não cessam de soar. Sigo ziguezagueando pelo cômodo, trôpego e desarranjado, a triste figura de um cavaleiro de Cervantes, junção de traços cubistas de Picasso mesclado às expressões marcantes de van Gogh. Um amontoado disforme, sem rosto definido, uma figura pra ser vista mesmo de longe, transfiguradamente colorido e retorcido. A vontade é imensa. O cansaço também. Dane-se o mundo machista! Sento-me na privada mesmo. Quem sabe acordo ou enfim cochilo. Enquanto a dor se dissipa, olho extasiado para a janela. A brisa bate. O alívio é um sopro gélido numa face suada. A cortina abre. E a bendita luz do sol me banha o rosto por completo.


Manoel Gonçalves