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domingo, 30 de outubro de 2016

Pelo vidro à espera da esperança

Imagem: Shutterstock

São nove horas e quarenta e cinco minutos de uma manhã ensolarada. O dia raiou cedo e tão logo se apresentou, parece que trataram de acender o forno, pois o clima está quente e extremamente abafado. Mal iniciei os afazeres diários e já tive de interromper para tomar um banho quase frio. Nada pior que suor escorrendo no rosto inteiro, deixando a camiseta em situação calamitosa ou então, escorrendo pelas costas até chegar no rego da bunda.

Isso não tem nada de mais. Afinal, em dias quentes assim, impossível ficar com um banho só ou sem banho algum. Mas não eram nem 7 horas e já estava no segundo banho. Peguei minha sombrinha e meu chapéu (recomendações de minha mãezinha, que mesmo eu já sendo adulta, insiste em me tratar como se tivesse 9 anos) e saí na direção da padaria.

Perdida em pensamentos, andei pelas calçadas pacatas da minha modesta cidade interiorana, daquelas que todos se conhecem ou sabem quem é quem. Vi um certo agrupamento mais adiante, mas como estava com pressa não me interessei. Comprei meus pães e já ia saindo quando a dona Maria de Lourdes, uma velhinha simpática, mas fofoqueira de tudo, não resistiu e me veio com o famoso "Você viu o que aconteceu?" Claro que não, pensei. Mas já sabia que o relato em pormenores viria em seguida.

Trinta minutos depois estava indo ao encontro do pequeno alvoroço. Todos falavam entre si e, por vezes, um apontava na direção da casa. Fui me aproximando e já veio a Madalena, com cara de sofrimento - será que está tudo bem? - mas como eu estava sem a bola de cristal, não consegui adivinhar para responder. Ela morreu? - indagou outra. Que nada, deve estar dormindo ou se mandou. - sentenciou outro. Ali, em frente à casa de dona Gertrudes, cada um tinha uma opinião, mas ninguém tinha coragem de bater à porta ou entrar lá. Não por ela ser má, mas por outros motivos.

Dona Gertrudes é uma solteirona muito conhecida no bairro. Sem parentes, sem amigos que frequentem sua casa, presença quase imperceptível. Os pais faleceram quando ela ainda era jovem e, desde então, passou a viver sozinha. Sempre muito recatada, com roupas tão discretas que mais pareciam dos filmes de época. É o tipo de pessoa que entra e sai do mundo sem deixar muitos vestígios. Creio que até poderia ser assim, não fosse por um acontecimento não muito distante no tempo. Coisa de uns 5 anos, mais ou menos.

Gertrudes sempre manteve hábitos precisos, executados impreterivelmente nas mesmas sequências, como se fossem programados para acontecer mesmo que não houvesse algum comando para tal. Acordava cedo, arrumava a casa (como se precisasse!), saía em passos apressados até a padaria onde tomava um café básico com um pão fresco com pouca manteiga. Trabalhava na biblioteca municipal, no setor de arquivo, seu mundo. Ali, em companhia de livros e papeis tinha tudo de que precisava, nada mais. Dali voltava para casa, preparava sua comida ouvindo uma radinho de pilha, sentava ante a janela para apreciar o por do sol, hábito herdado de sua mãe, jantava em frente a TV e dormia cedo, preparada para reiniciar a programação no dia seguinte. Gostava de trabalhar até mesmo em fins de semana, pois não tinha o hábito de viajar ou passear pra fora da cidade, haja vista que os pais morreram em um acidente com o ônibus de turismo. Assim sendo, juntava sua paixão com o oportunismo do seu chefe, funcionária exemplar a um custo baixo. Uma das poucas vezes que saiu de sua rotina foi o motivo que a levou a ser o centro dos questionamentos de hoje. 

Seu Cléber, o chefe, mandou que fosse até a cidade vizinha para recolher uma papelada que pertencia ao centro de conservação dos parques. Como ela não possuía carro e tinha trauma de ônibus, pegou sua bicicleta e saiu pela estradinha. Só que chegou o horário previsto da volta e nada de Gertrudes aparecer. Passaram-se uma, duas, três horas e nada! Seu Cléber estava prestes a fazer o sacrifício de tirar seu carro da garagem para ir atrás dela quando o telefone tocou. Ela sofreu um acidente, mas estava bem, apenas em observação.

Oligário Meira, um representante comercial espalhafatoso da fabricante de barcos Maresia, foi até a cidade buscar uma encomenda. Distraído e ocupado em comer um lanche, olhar o itinerário e dar pancadinhas no relógio de pulso para conseguir ver as horas direito, não conseguiu perceber a bicicleta que fazia uma curva acentuada e a acertou, levando sua condutora ao chão. Ele ficou tão atrapalhado, sentido com o ocorrido, que se dispôs a acompanhar o trâmite todo do socorro, internação e o que mais precisasse. Ainda mais quando soube que a moça não tinha família.

Desses dias, entre idas e vindas, ficaram a amizade - que finalmente conseguiu fazer -, a lembrança da forma atabalhoada que tudo se deu, e um laço muito forte. Não demorou muito para que Olegário a pedisse em namoro. Tradicional como sempre foi, Gertrudes, exigiu que eles namorassem em público, o que, é evidente, gerou muitas conversas em rodinhas, muitos dedos apontados, muito assunto para os fofoqueiros de plantão.

Em pouco tempo, o namoro na praça já não era regra e sim, exceção. Sua rotina de fim de semana incluía ficar à espreita na janela, aguardando a chegada de Olegário. A molecada já não fazia mais graça porque ela já não era mais "a solteirona", "encalhada". Tudo parecia bem e se encaminhando para o matrimônio. E foi aí que o doce desandou. Olegário fez uma investida, querendo algo mais que uns beijinhos, ela recuou e o expulsou de casa, dizendo que "não era dessas" e que só perderia a virgindade depois de casar. Virgindade! Naquela idade! Ela nunca... nunca..., ficou a mil a cabeça de Olegário. Ao mesmo tempo que deu um certo prazer de ser o primeiro, entrou em pânico. E se ela estranhasse e não o aceitasse? Se saísse correndo pela rua? Vexame! E se tivesse um piripaque e morresse ali mesmo, na cama, na lua de mel? Tentou levar adiante, compro alianças, marcou casamento... ela comprou vestido de noiva, fez planos de reformar a casa e até, quem sabe, convidar a vizinhança.

Faltavam poucos dias. Olegário, na tentativa de evitar maior vexame, tentou agarrar Gertrudes novamente. Afinal, quem segura desejo assim tanto tempo? Já não eram crianças e estavam comprometidos? Ora bolas! Que mal tem? Pensava em tudo isso, mas não foi bem recebido. Discutiram feio e ele saiu batendo a porta. Ela tentou ir atrás pedindo pra ele voltar e conversar. Não teve jeito. Ele disse que talvez voltasse. E assim ficou. Ela acreditou.

Mas Olegário, seja por ter se livrado de seus medos, seja por não querer saber mais dela, não apareceu no dia seguinte, nem no outro dia, na outra semana, no outro mês, ano... anos. Gertrudes, com a frustração, caiu em desgraça e não queria saber de mais nada. Nos primeiros dias chorava na janela, esperando por ele. No dia que seria o casamento, ela se vestiu de noiva e ficou ali, diante da janela, esperando, esperando, esperando. Uma semana se passou e ela ainda estava com o vestido, já todo amassado e rasgado em alguns pontos por ela se enroscar nas coisas. Seu Cléber a procurou, insistindo que ela reagisse. O máximo que conseguiu foi que trocasse o vestido e, assim, teve de fazer o que não queria, entregar sua demissão.

De casa de solteirona-ex-noiva-quasecasada a casa da tia louca foi apenas questão de detalhes e de alguns moleques bagunçando após a saída da escola. Ela já não saída de casa, talvez na esperança dele voltar a qualquer hora, o receio de não achá-la, talvez por não querer ver ninguém e rirem dela. Comia o essencial. Mesmo assim, não perdeu o hábito de sentar-se à beira da janela para supostamente apreciar o por do sol e, claro, esperar Olegário.

Mesmo depois desse tempo, nunca a janela deixou de ser aberta. Exceto nesta manhã, que ninguém a viu abrir as 5 horas, nem a silhueta da dona dela no vidro aos primeiros raios solares. E como tudo é novidade em cidade pequena, é por esse motivo que agora, faltando poucos minutos para as 10 horas da manhã, forma-se uma legião de curiosos em volta da casa dela, inclusive eu, que não sou de ferro, né.

Já quase meio-dia. Seu Cléber, o mais próximo de um conhecido, foi chamado. Ele tentou chamar. Nada! Esperaram a guarda. Estavam atendendo uma emergência. A fuzarca aumenta, até que seu Cléber não suporta mais. A janela, que até então serviu de observatório do mundo externo e das belezas do céu, transforma-se em porta de acesso, é forçada e arrombada.

Deitada em sua cama, vestida de noiva, com a cabeça voltada para a janela, jaz um corpo desnutrido, definhado, talvez sem forças até para pedir socorro. Mas o rosto está sublime, com leve toque de riso no canto da boca. Quem sabe dona Gertrudes tenha encontrado outro amor, um barqueiro que a leve ao altar de Nossa Senhora? Quem sabe ela não encontre uma janela para nos observar e continuar contemplando as belezas do céu ao por do sol? Quem sabe? Não a conhecia. Nunca trocamos nada além de olhares furtivos na padaria, mas não consigo deixar de pensar em sua história, em como poderia ser diferente se a natureza humana não se baseasse em pré-conceitos e em convenções estabelecidas pela sociedade, em certas regras que às vezes se tornam grades de uma prisão imaginária, mas difícil de se libertar. 

Manogon

(texto produzido para participar do encontro de autores na Casa Amarela de São Miguel Paulista, Inéditos e Inacabado, sob o tema Janela. Não consegui ir ao evento, mas o texto fica para apreciação e comentários).

sábado, 29 de outubro de 2016

A Flor Escura da Realidade?

                         

A flor escura da realidade?

"...um dia me disseram
que as nuvens não eram de algodão
Sem querer eles me deram
As chaves que abrem essa prisão..."

(Somos Quem Podemos Ser - Engenheiros do Hawai - Composição: Humberto Gessinger)


Caro amigo M.,
Não está entre os destinatários mais listados dessas missivas de Primavera, mas figura em boa conta entre os autores que tenho o prazer de ler.

Dias finais de outubro e o céu continua indeciso sobre como quer se apresentar. Ora se mostra feliz em seu raiar, mostrando os dentes escancarados do sol, brilho e fundo azul. Ora se transfigura e fica sisudo feito moleque birrento a negar um sorriso ao tio, como quem só quer fazer o que quer e na hora que bem entender.

Em horas assim, nada como criar o seu próprio local, seu próprio mundo, seu céu preferido, seu luar inspirador, seu império solar. Fica-se assim a imaginar o clima correto, as vestimentas apropriadas, os salamaleques distintos para reverenciar tal dádiva encantadora.

Fuga da realidade incerta? Duvido. Vontade incompreendida de estar em outro canto? Inverossímil! Sou mais propenso a acreditar que o seu lugar preferido é real e acessível. Ele existe porque é onde o poeta pode dar vazão à sua torrente incessante de dizeres internos. Local em que o autor é o mentor da história, mas ao mesmo tempo, protagonista, observador, vilão e mocinho. Lá, a lua não é só um astro iluminado. É magia, encanto, fonte cativante de tensões e atenções, seja de olhos enamorados, seja de arautos, bardos, trovadores. Ou mesmo uma pessoa simples, de elevada percepção e sensível sinergia com a harmonia da natureza.

Não é refúgio, é destino. Mas também é ponto de partida, é morada certa para o merecido descanso, o almejável remanso, a renovação das forças em lagos profundos de sabedoria e sentimento. É o ponto de recobrar os sentidos e aguçar a visão, alçar voo e enxergar além, pra lá de outras bandas, muito mais distante, seja no norte, no sul, seja em São Paulo ou Istambul.

Apreciando suas idas e vindas a esse lugar mítico e místico.

Abraço.



MG



Quarto tema da postagem coletiva Projeto Missivas de Primavera, da Scenarium Plural. Participam dessa blogagem os autores:

sexta-feira, 28 de outubro de 2016

Um elogio ao silêncio... e à solidão

"...Viver é afinar o instrumento (de dentro)
De dentro prá fora
De fora prá dentro
A toda hora, todo momento
De dentro prá fora
De fora prá dentro

...

Tudo é uma questão de manter
A mente quieta
A espinha ereta
E o coração tranquilo..."
(Serra do Luar - Walter Franco)



Cara L.,




Como talvez tenha percebido, nessas cartas enviadas, não escolhi apenas um destinatário. Senti-me à vontade para espalhar as missivas por aí, ao entortar da fumaça do café, ao intangível aroma, seja dessa inebriante bebida, seja dos salgados que ora a acompanham. Eles se espalham, misturam-se à multidão, ao já repleto cenário de cheiros, sabores e cores. Assim como as cartas, que se misturam a tantas outras enviadas e recebidas, e que ajudam a incrementar o seu vasto espectro de leitura.


Tive de dar um tempo à sequência por nós abraçada e desenvolvida com dedicação e variedade dos mestres confeiteiros, que se debruçam sobre suas obras para o deleite dos degustadores, amantes da arte e devoradores vorazes. Outubro deslizou majestoso, mas tão intenso quanto rápido. O silêncio se fez presente e necessário.

Silenciar, não por se esgotarem as palavras ou assuntos, mas porque a circunstância solicita, de forma tão gentil quanto um paquiderme passeia sem alarde. Entrar em estado de "stand by", no qual você está ligado, quase acompanhando o movimento em câmera lenta, mas ao mesmo tempo, não está apto a exibir nada qualitativamente aceitável.

Mas a criação também se faz e refaz do caos, entre pausas, silêncios e intermitências de respiro. O ator continua repleto de sentimentos, intenções e ações internas mesmo quando está imóvel, sentado em uma palco vazio, ante à plateia curiosa. É nesse momento que o mínimo se torna essencial, que um gesto, um olhar, uma respiração ou apenas uma palavra solta com propósito pode preencher o espaço como um todo.

A pausa fez-me focar no que era imprescindível e, ao mesmo tempo, apreciar a beleza das belas linhas que estão passeando por aqui, nas quais recaí sobre seus escritos. Não é de hoje que aprecio suas paisagens e pinturas literárias. Entre cafés, chás, linhas e letras, há sempre uma vida costurada, o pulsar tangível, mesmo quando retrata o que não se pode ver ou pegar. Se a escrita, como se diz, é solitária, está sempre carregada de tipos e pulsações, de seres e criações coletivas, que se entrelaçam, moldam-se e se recriam tantas vezes quanto se fizer necessário e admirável.

Abraço, caríssima.

MG


Terceiro tema do Projeto Missivas de Primavera, da Scenarium Plural. Participam os autores:

quarta-feira, 12 de outubro de 2016

O interior do silêncio mais silencioso


Cara MG.,

Fiquei contente com a visita em meu blog e nos escritos que ali tenho. Fique sempre à vontade para apreciar as paisagens, nem sempre tão belas é verdade, mas que retratam um pouco das influências do mundo no dia a dia. Dias que, por vezes, são tão barulhentos que parece que não ouviremos sequer o próprio pensamento.

Em momentos assim, nada como o silêncio, seja ele da noite, ao avançar das horas madrugada adentro, seja ele do poema inacabado, das curvas desenhadas em versos ainda disformes, sem a força e o ritmo do ápice de sua existência.

Quantos silêncios cabem em um poema? Nas intenções sublimadas em palavras escolhidas a dedo ou sopradas em sussurros por vozes ocultas, pirações visionárias ou inspirações latentes? Quanta coisa que deixou de ser dita para que se chegasse à forma perfeita a que o poema final se apresenta? Somente o autor para saber... talvez, nem ele mesmo o saiba.

Você já se perdeu em divagações antes do ato da escrita, imaginando o rumo de uma ideia para um poema ou texto qualquer? E quando vai começar a escrever, as linhas tomam outro rumo, outra estrada, outra lufada de ar. Não que haja arrependimento por este ou aquele caminho, mas presos nesses instantes, esquecidos nesses silêncios, tantos outros poemas ficaram e se perderam ou ainda estão à espera que o seu criador venha resgatá-los para dar-lhes forma e cor, movimento e sabor.

Por outro lado, a feitura do melhor doce requer a boa mistura, as pitadas de ingredientes, a mexida no tempo e no jeito que só o doceiro (ou doceira) sabe dar o ponto. Assim, na escrita, por mais que os rumos pudessem ser outros, que palavras fiquem implícitas nas paredes da obra acabada, as rasuras e alinhamentos são bem-vindos e necessários.
Citando isso, lembrei-me da música "Rasuras", do inspirador e talentoso Oswaldo Montenegro: "...E mais que o mais perfeito/Rasurar valeu a pena/Como esteve rasurado/O primeiro original/Do mais lindo poema".

Sigamos, portanto, perdendo palavras, encontrando orações, ocultando verbos, desvendando advérbios, substanciando os  substantivos, dando nomes e pronomes a quem for de sujeito, rs.

Abraço.

MG


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Projeto Missivas de Primaversa, organizado pela Scenarium Plural. Participam os autores:

sexta-feira, 7 de outubro de 2016

Nessa manhã de Outubro, respiro...

Navegar é preciso; Viver não é preciso 

(Fernando Pessoa)

Navegadores antigos tinham uma frase gloriosa:

"Navegar é preciso; viver não é preciso".
Quero para mim o espírito [d]esta frase,
transformada a forma para a casar como eu sou:
Viver não é necessário; o que é necessário é criar.
Não conto gozar a minha vida; nem em gozá-la penso.
Só quero torná-la grande, ainda que para isso tenha
de ser o meu corpo e a (minha alma) e a lenha desse fogo.
Só quero torná-la de toda a humanidade;
ainda que para isso tenha de a perder como minha.
Cada vez mais assim penso.
Cada vez mais ponho da essência anímica
do meu sangue o propósito impessoal de engrandecer
a pátria e contribuir para a evolução da humanidade.
É a forma que em mim tomou o misticismo da nossa raça. 





Cara T,

Estava eu como uma barco à deriva, vagando indefinido pela suave correnteza deste grande rio, sem saber muito bem qual rumo tomar. Por ordem do destino ou do sopro de alguma divindade do povo ribeirinho, fui lançado a ancorar aqui nesses bancos de areia. Acabei por descobrir quão fértil são as terras dessa margem. "E os frutos que dela emanam."

Li em seus textos que aprecia discorrer sobre os meses e sobre as influências deles. Fato instigante, pois normalmente passamos por eles sem muito dar conta. Quando nos deparamos, estamos preparando a ceia de fim de ano. Mas a pensar nesse mote e nesses dias inaugurais de outubro, lancei-me a tentar decifrar um pouco dos mistérios desse mês.
Outubro desponta, todos os anos, como as manhãs que tivemos nessa derradeira semana. Envolto em brumas, indeciso, indefinido. Um misto de frescor do vento gélido noturno, umidade orvalhada em plantas e objetos e um brilho estranho, que nem os estudiosos do tema conseguem decifrar, pois ora tende ao clima nublado, ora descamba para o ardor do sol. Os dias têm essa ressaca matinal. Aquela famosa, porém vaga descrição de "gosto de cabo de guarda-chuva" (??) na boca, que tenta retratar o resto de euforia do dia anterior com o mal-estar do quase despertar.

Setembro se encerra com vivas de mais uma Primavera celebrada - a da estação e a da vida -, para desembocar em um outubro frio e prateado por chuviscos finos e constantes. A marca de alguém importante, que deixou sua marca sem precisar estar ao alcance de um aperto de mão, um abraço ou um conselho. Somente a certeza de que esteve por aqui e a gratidão por estar no mesmo rio pelo qual seu barco passou e singrou as curvas sinuosas desse caminho.

Mas como na natureza, as forças seguem seu ritmo e suas metamorfoses. A neblina desce, o frio abranda, o sol vem forte e acalentador. O dia segue. Ora ficará nublado e com possibilidades de chuva, ora se renderá ao grande astro. É certo que a noite virá para enternecer os corações e fazer descansar as mentes, preparando para outro belo e revigorante recomeço. Assim caminha outubro, assim navego eu...

E, assim, aprecio a beleza de seus escritos também, encantado por ter me lançado a essa margem, sentado à sombra de uma árvore e, calmamente, ter vislumbrado belas paisagens.

Aqui fica o abraço e o meu muito obrigado.
M.

Projeto Missivas de Primavera

Participam desse projeto os autores: