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terça-feira, 15 de setembro de 2009

Mostra Cultural Diálogo das Artes dia 26-9 no Tendal da Lapa





Evento Multicultural e encerramento da exposição do Ateliê Nobre Sucata, com a prazerosa presença de artistas das outras vertentes da arte: música, dança, teatro, poesia, artes plásticas.


Uma mostra de um pouco de boa parte das vertentes da arte. Uma noite de muita poesia, música, dança, teatro e exposição de artes plásticas. Os artistas estão se preparando para declarar seus sentimentos pela eterna musa de todos os apaixonados criativos, a Arte. Será uma noite de muita vibração boa e feita com bastante carinho e dedicação. Mas para a noite ser completa realmente, necessitará da sua presença. Necessidade sim, pois arte também é interação, partilhar o momento mágico da criação, o esforço dos estudos e da produção das obras, o esmero em fazer algo aprazível, o contato entre artista-obra-público, o bate-papo descontraído que pode servir para dar insight em outra criação, enfim, tudo aquilo que nos faz enxergar o mundo de forma um pouco diferente e que nos dá prazer em compartilhar, valorizar o poder do coletivo.

Aguardamos você e sua galera, família, colegas do trabalho, do futebol, da balada, da escola, sei lá, vai chamando... Vamos lotar o Tendal e fazer uma noite de muita alegria e cultura.

Abraços.


Manogon

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Mostra Cultural no encerramento da exposição Diálogo do Ateliê Nobre Sucata




Com a colaboração do meu amigo jornalista Vagner Apinhanesi, que escreveu a nota abaixo para a divulgação do evento, convido a todos para o encerramento da exposição Diálogo, do Ateliê Nobre Sucata, lá no Tendal da Lapa, dia 26 de setembro de 2009, sábado, a partir das 18h.


Em cartaz desde o dia 10 de agosto, no Tendal da Lapa, a exposição Diálogo, do Atelier Nova Sucata, apresenta obras de arte que usam materiais reciclados como suporte, desde placas de propagandas a portas e tampa de caixa d’água. A necessidade, a consciência ecológica e a diversidade de possibilidades oferecidas pelos materiais inspiraram o trabalho, o qual, apesar de coletivo, não impõe barreiras à individualidade de cada artista. A mostra vai até o dia 30 de setembro, sendo que no dia 26, sábado, contará com apresentações culturais, como shows musicais, teatrais, declamação de poesias, entre outras. O Tendal da Lapa fica na Rua Constança, 72 (travessa da Rua Guaicurus, na altura do 1.100). A entrada é gratuita. De segunda a sexta-feira, das 9h às 22h; sábados e domingos, das 9h às 17h.


Estamos trabalhando com muita dedicação e com o mesmo amor à arte para que saia um evento de boa qualidade e para que as pessoas mergulhem um pouco no universo artístico e suas sensações. Esperamos que possam ir, que apreciem e valorizem as diferentes vertentes da nossa arte. Será muito legal. Agradecemos a todas as pessoas que colaboraram conosco e aos artistas convidados, que entenderam a importância de um evento assim para levar cultura à população e cederam talento e tempo.

Abraços. Espero vocês lá.

terça-feira, 1 de setembro de 2009

divaga(r)ções

Se o passado não fosse tão marcante
Não seria necessário olhar pelo retrovisor
Para ver imagens que se distanciam
E que marcam meu caminho

Se o presente fosse tão certo
Não precisaria vivê-lo
Apenas deixar que acontecesse
Sem influência de decisões e ações

Se o futuro fosse uma incógnita
De que adiantariam os planos
As mãos entrelaçadas, os olhares
As juras de amor num final de tarde

Se esse instante fosse infinito
Não me sobraria desejo algum
De que o tempo não passasse
E que eu pudesse olhá-la uma vez mais

Só mais um poquinho...

Assim, devagar... sem pressa...

Como se o tempo não precisasse correr
Como se tudo fosse devagar demais
Só para me esperar, só para lhe abraçar
Só pro seu cheiro e gosto comigo ficar

Marcando meu dia e sumindo, sumindo
Bem de...va...gar

Manoel Gonçalves

terça-feira, 25 de agosto de 2009

Bicho Preguiça (ou Wake up!)

Toda manhã
Quando a Lua
Deitada em seu divã
Sem proteção, quase nua
Esconde-se do novo dia
O despertador se agita
Não toca suave, quase grita
É o clarão que se anuncia


Dos sonhos, como um raio
Eu caio
Saio
Arrasto
Da cama me afasto
Me escondo do espelho
Da minha cara de joelho

Lento
Sonolento
Ainda atordoado
Com cara de enjoado
Por força ou necessidade
Aos poucos vem a vontade
Me arrumo
Acerto o prumo
Tomo meu rumo
E abraço a cidade


Manoel Gonçalves

sexta-feira, 31 de julho de 2009

Exposição Diálogo - Ateliê Nobre Sucata

"Que a arte nos aponte uma resposta,
Ainda que ela não saiba.
E que ninguém a tente complicar,
Pois é preciso simplicidade para fazê-la florescer."
Oswaldo Montenegro (do poema Metade)




Ateliê Nobre Sucata – Exposição Diálogo

O olhar capta tudo, mesmo que o consciente não perceba. Audição atenta. A fala que às vezes cala. Abre espaço para outros sentidos. De repente, é diferente a maneira de sentir. Olfato ligado ao fato, sentindo o cheiro das cenas, sejam elas urbanas ou imaginárias. Mãos tateiam as formas diversas. Brincam de transformar o acaso, formam coisas por uma causa. O paladar nem sempre é presente, mas a mente mistura tudo e saboreia o caos que antecede a criação. O diálogo das sensações alcança o ápice e o silêncio se faz no enlace, o sangue fervilha, assim como a arte que pulsa no artista brincante. A arte é a mãe e o artista, a criatura no faz de conta de criador. A obra está em concepção, em constante mutação. Esse exercício incessante de coletividade, integração plena das partes, sem deixar de lado a importância individual, é a diretriz do Ateliê Nobre Sucata. O que faz dos artistas Cris Miura, Júlio Loureiro, Márcio Caetano e Vicente Conte aprendizes vorazes, buscadores da técnica aprimorada e inquietos questionadores. Porém, ao mesmo tempo, mestres no ensinamento de como preservar e fazer melhor aproveitamento do Meio Ambiente e suas reservas, reduzindo “lixo” e abismo social por um mundo melhor e com mais difusão cultural.
Porta velha, TV queimada, aparelhos eletrônicos, tampinhas, placas, pregos, latas, madeira, plástico... Lixo? Não. Sucata. Matéria-prima a ser transformada. Palavras soltas esperando que alguém as coordene e construa um novo diálogo com o mundo. Sentimentos, mente – o que pode surgir ali? –, tinta, pincel etc. – talento, interação e entrega. O Nobre Sucata é um templo onde tudo pode. Não há barreiras. Sequer existe a expressão de negação a qualquer manifestação artística ou suporte. Os artistas se expressam de maneira singular, conforme suas formações, valores e experimentações, mas também se permitem o aconselhamento mútuo, a intervenção e a sinergia com outras vertentes da arte. Nada conversam as obras entre si, mas todas se relacionam, fazem parte de um intenso diálogo entre os autores, o público e a dualidade Ser Humano/Natureza.

Manoel Gonçalves

Sábado, a partir das 17h, Vernissage da Exposição Diálogo, do Ateliê Nobre Sucata, no Tendal da Lapa - Rua Guaicurus, 1.100 e Rua Constança, 72 - Lapa. Tel: 3862-1837. E-mail: tendaldalapa@gmail.com
Período: de 01-08 a 30-09-2009 - seg. a sexta, das 9 às 22 h e sáb. e dom., das 9 às 17 h.
Vocês podem observar algumas obras no site do Ateliê Nobre Sucata.
Todos estão convidados a apreciar as diferentes maneiras de expressar o amor à Arte.
Aguardamos vocês. Abraços.

quinta-feira, 9 de abril de 2009

Ordem no Congresso


Meu, simplesmente muito boa essa ideia da Central de Outdoor. Reproduzo aqui a imagem que vi em algum blog (desculpem-me por não lembrar qual foi e não ter copiado o link para colocar aqui).
Pena que nossos ilustres congressistas continuam achando que somos o que está estilizado nessa bandeira e riem não nas nossas costas, mas escancaradamente na nossa frente, diante de câmeras fotográficas e de TV. Povo, população, necessidade, trabalho em prol da nação... o que é isso? E o rio, com suas águas turvas, continua a correr, encobrindo a lama pútrida que se acumula na entranhas do solo e que jamais serão içadas à luz dos transeuntes. Quem ainda não viu, aproveite para ver essa pérola do Congresso, que foi ao ar na segunda pela Band, no humor inteligente do CQC, postado no Blog do Tas. Dá pra entender um pouquinho porque se confia cada vez menos nos políticos, embora talvez achem alguns que realmente trabalham pra valer. Fala sério, né! Não saber o que é Enem e não conhecer o pessoal que tá lá todo dia. Seria pra rir se não fosse trágico!


Manoel

quinta-feira, 26 de março de 2009

Presença

Aquilo que tenho

De fato não sei se é meu

Aquilo que conquisto

Não sei se é motivo de glória

Aquilo que digo

Talvez seja dito por alguém

Aquilo que escuto

Talvez seja uma voz

Ou um sopro, um sussurro

De quem só quer o meu bem

As coisas que faço

E que fazem de mim o que sou

Serão sentimentos que brotam

Ou presente que a mim chegou?

Só sei que quando penso

Assim, sabendo que existo

Que todo ar que respiro

Em tudo em que me inspiro

Sinto-me repleto de paz e amor

Da presença do Criador


Manoel Gonçalves

quarta-feira, 25 de março de 2009

Iluminado

Quero ficar acordado

Varar a noite

Ficar ligado

Não “pescar” nem ser fisgado

Pelo sono ou corpo cansado

Quero apenas ficar calado

Olhando pro céu

Parado

De olho na escuridão

O azul imenso estrelado

E na quietude da rua

Contemplando vislumbrado

Banhado pela musa Lua

Brilhante ou adormecida

Os olhos ela cativa

E mesmo em horas corridas

A alma renova, se aviva

Ali o negro se enternece

Desbota, ganha outras cores

Desaparece

E em seu lugar

Onde brilhava o luar

O astro desponta

Tímido, avermelhando o céu

Depois mais forte, retirando o véu

Descobrindo belezas escondidas

Curando ressacas vividas

Quero ficar acordado

Para nessa hora

Com corpo moído

Na pureza do dia que aflora

Olhar para o horizonte

E completamente renovado

Ver a luz dos olhos de Deus

Lembrar do presente e passado

E dizer meu muito obrigado

Manoel Gonçalves

terça-feira, 24 de março de 2009

Relações inglórias

A noite estava fria. Era quase meia-noite. A casa agora estava em silêncio quase absoluto, não fosse pelo ronco que vinha da sala e por um borbulhar de água fervendo no fogão. Os ponteiros do relógio de parede na cozinha, daqueles simples de promoção de loja de móveis, pareciam pesados. Lentos e pesados. O tempo naquele momento passava com extremo vagar. Cômodos mal-iluminados e gélidos. Talvez representando o clima lúgubre daquela noite, talvez para encobrir os suspiros trêmulos, ofegantes, que se esgueiravam pelas narinas constipadas daquele rosto choroso e penitente. Na penumbra do banheiro, somente uma fresta de luz oriunda do refletor no poste se derramava pela janela, a face aterrorizada se contemplava diante do espelho, buscando uma razão, quer fosse para a cena a que a sua detentora foi submetida, quer fosse para a própria existência. E assim, quem sabe, objetivando o próprio renascimento, ressurgir daquela escuridão para uma vida mais digna ou então, sem forças, sucumbir aos apelos de seus temores.

Nem sempre foi assim. A boca, hoje triste, sem brilho nem batom, já se abriu em largos sorrisos e em exuberante carmim. O rosto, marcado de rugas de descontentamento, já foi macio e bem tratado, até mesmo pela mão que o desprezou tempos depois. Os cabelos despenteados já foram cuidadosamente escovados e moldados em penteados, para que ficassem de prontidão, aguardando o momento em que se libertariam e seriam amassados contra o travesseiro. O corpo que tremia no escuro, pela raiva e pelo frio, já se sentiu tão quente ao ser tocado que parecia um vulcão em erupção, pronto a cobrir de lava todo o ambiente e fazer arder a chama da paixão até que os dois corpos ficassem unidos, solidificados no êxtase do amor. Mas tudo tinha ficado num passado distante. Sentimentos soterrados por camadas de sedimentos dos percalços vividos durante anos, formando a espessa camada que camufla a verdadeira mulher por debaixo daquela casca: pessoa agradável e bem quista, juvenil e sonhadora, amante carinhosa e mãe amorosa; uma imagem reservada aos momentos solitários, quando Gilda fazia um esforço para mantê-la viva na memória.

Gilda e Adamastor se conheceram numa quermesse. Ele, 8 anos mais velho e já trabalhando numa grande empresa, não conseguiu disfarçar ao vê-la na barraca de bolos, agitando o corpo e chamando os presentes para degustar as guloseimas da barraca. Aquela noite sempre serviu para boas gargalhadas com a recordação de quantos pedaços de bolo Adamastor teve que comer até convencê-la a falar seu nome e dar o número do telefone. Gilda, que estava terminando o colegial, trabalhava como atendente de uma lanchonete no centro da cidade. Ela não queria se meter com homem mais velho, mas acabou dizendo sim três anos depois ao casamento. Se perguntarem, nem ela pode dizer como tudo aconteceu tão relativamente rápido.

As primeiras brigas começaram quando ela entrou na faculdade. Adamastor morria de ciúmes dos amigos dela e vivia bisbilhotando suas coisas à procura de algum recadinho, um nome, uma prova incontestável. Assim mesmo, Gilda conseguiu driblar a rabugice do marido e terminar o curso. Claro que o filho ajudou muito a mudar a cabeça dele. Ela achava que uma criança, mesmo sem ter terminado a faculdade, iria ajudar a melhorar o entendimento entre eles e trazer os tempos de carinho de volta.

Isso aconteceu de fato, pelo menos nos dois anos e meio seguintes. Mas a idéia de que sua esposa queria trabalhar, sair, conhecer gente diferente, trilhar uma carreira, colocava Adamastor em paranóia constante. As brigas recomeçaram. Ele começou a chegar mais tarde e conversar menos com ela. Gilda tinha de dar conta do seu emprego, não ficar até tarde por causa do filho e chegar disposta em casa, para a segunda jornada. Ele chegava resmungando, fazendo gracinhas e insinuando se alguém tinha dado em cima dela, discutia, jantava, ficava assistindo alguma coisa e ia pra cama sempre depois dela. Aí a coisa mudava de figura. Jurava amor eterno, pedia desculpas, dizia que ia mudar, envolvia-a, os dois choramingavam, faziam sexo e dormiam. Mas a história sempre se repetia.

A situação piorou de vez quando ela foi promovida. O que ele achava que seria passageiro, agora começava a ficar sério demais. Para seu desespero, a empresa desativou sua unidade de trabalho. Ele estava tão seguro de sua situação que não procurou atualização na área e tornou-se dispensável. O desemprego bateu-lhe às fuças. As discussões tornaram-se constantes com a crise financeira. Foram os piores meses na vida de Gilda, pois não raramente ele chegava bêbado em casa, gritava, derrubava algumas coisas e depois desabava na cama. Ela morria de medo, mas tinha convicção de que ele não a agrediria. Além do mais, tinha esperança que tudo mudaria assim que ele se firmasse em outra empresa. Era só uma fase e, apesar de tudo, ainda o amava e ele era um pai presente, às vezes ríspido demais, mas não desleixado, quando estava bom.

O problema é que o ócio torna a pessoa sem opções e a saída nem sempre é mais edificadora. Alguns quando caem, levantam-se rapidamente, outros preferem culpar qualquer um pela sua queda e se apóiam numa vareta para se reerguer, não percebendo a inevitável queda para o novo abismo. Adamastor se refugiou na bebida. Quando estava mal, chorava, mudava de humor rapidamente e se dizia um inútil sustentado pela mulher. Morria de vergonha e raiva por isso. E Gilda também já estava sem paciência para aguentar aquela autopiedade exacerbada.

Na sexta-feira daquela semana, pensando em se divertir um pouco, aceitou o convite das amigas do serviço para um happy hour. Mandou o filho para a casa da mãe dela, pois não confiava que seu marido fosse chegar cedo em casa. A noite foi muito boa e ela pode desabafar um pouco, espairecer. Aceitou a carona da Mirtes, que estava com seu namorado, para chegar o quanto antes em casa, a tempo ainda de buscar seu filho. Mas quando o carro parou diante de sua casa, Adamastor só olhou pela janela e a viu sair do carro de outro homem, dar um lindo sorriso e jogar um beijo. Aquilo despertou sua fúria. Ficou sentado no sofá, esperando ela entrar. Gilda nem teve tempo de acender a luz. Foi puxada com força e jogada no chão. Ele a chamou de tudo em quanto, acusou-a de traição. Ela tentava se defender e explicar que não era aquilo, que ele estava enganado. Mas ele nem ouvia. Contrariando tudo que ela imaginava, agarrou-a com força, disse que ia dar o que ela merecia. Rasgou sua roupa e a forçou contra o piso. Ela chorava de raiva e dor, tentou sair, mas ele a pressionou. Entrava e saía de seu corpo com voracidade animal. Após finalizar sua possessão brutal, jogou-a contra a parede e a mandou para a cozinha preparar sua janta. Jogou-se no sofá, ligou a TV e agarrou sua companheira destilada.

Sem forças, machucada por dentro e por fora, com medo, dando graças por ele não ter usado de violência e a espancado, mas ferida em sua honra violada como uma besta irracional, Gilda acabou indo para a cozinha, sem saber ao certo o que faria. Colocou a água no fogo e ficou picotando a cebola. O ódio percorria seu corpo, principalmente quando lembrava do acontecido. Adamastor ficou sentado como se nada tivesse feito. Pegou no sono. Ela pensou várias vezes em fazer uma besteira, contra ele ou contra ela mesma, pois se sentia suja. Foi ao banheiro para se lavar, livrar-se daquela sujeira física e moral, purificar o corpo e a alma, arrancar as manchas e a lembrança, mas não queria se olhar, não queria constatar o horror.

A água borbulhava na cozinha, o rosto queimava no banheiro, o sangue subia e só a raiva pulsava em suas veias. Aquele homem galanteador da quermesse perdeu-se na escuridão de si mesmo. Naquela maldita noite perdia-se também para ela. Acabou o amor, findou-se o respeito, morreram as esperanças. Só ficou o ódio. Queria denunciá-lo, mas sentia medo, vergonha, não queria se expor e sofrer outra violação. Pensava no pior e pensava em seu filho. Voltou para a cozinha e ao passar pela sala, a imagem do mostro adormecido fez tudo voltar à sua mente. Dirigiu-se ao fogão, apagou o fogo, fitou o vazio por alguns segundos. Pegou a panela, foi até a sala e parou diante daquela massa tosca. Ficou enojada. Suas mãos tremiam muito. Em sua mente as cenas de todos os anos passavam depressa. Eram reconfortadas pela imagem de seu filho. Ainda bem que estava com a avó. Está em boas mãos e não preciso me preocupar agora, pensou ela. Tinha de tomar uma decisão. A que mudaria sua vida dali pra frente. Segurou firme a panela, afastou-se um pouco, respiração ofegante, e jogou a água escaldante...

A planta, que ficava num lindo vaso ao lado do sofá, ao receber aquele banho de água quente, murchou na hora, assim como murchara a flor da paixão vivida. Dela restou apenas a beleza do fruto, um menino sorridente que precisava ser cuidado para não apodrecer também.

Gilda, trinta e poucos anos, um filho, agora descasada, ainda que não oficialmente, sentiu um misto de angústia e alívio. Adamastor, por tudo o que fez, merecia seu ódio e muito mais, mas ela não merecia apodrecer na cadeia, longe de seu filho, deixando que outra pessoa o criasse. Sua sede de justiça inflava seu ser, mas não podia abdicar de sua vida e de seus sonhos, não devia se igualar aos seres irracionais. Olhou tudo a sua volta, juntou o que achava mais importante e indispensável. Os lençóis desfeitos, frios e desbotados, assemelhavam-se ao seu orgulho e seu amor. A sala revirada e a besta-fera jogada sobre o sofá incitavam-na à fuga. Apenas com a imagem de seu filho na cabeça, bateu a porta e saiu. Respirou fundo, jogou o cabelo sobre o rosto, escondeu os olhos sob os óculos escuros, tentou sair de cabeça erguida, apesar dos direitos em ser humana violados, e foi para a casa de sua mãe, sabendo que tinha muito a fazer, mas sem o peso que vinha arrastando. Algum tempo depois, Adamastor, após implorar inúmeras vezes pelo perdão de Gilda e sem conseguir sequer falar com ela, assinava os papéis do processo que ela estava movendo contra ele. Incentivada por sua mãe, procurou a delegacia da mulher e pode enfim ter sua vingança iniciada e a justiça cumprindo seu devido papel.

Manoel Gonçalves

Ser

Só queria ser um pássaro

Para compor a melodia

Que representasse o raiar do dia


Só queria ser um artista

Para pintar a comoção

De ver uma criança faminta

Comendo um pedaço de pão


Só queria ser um escritor

Para contar a todos como é

O rolar da gota de orvalho

Nas plantas de madrugada


Só queria ser um poeta

Para juntar algumas letras

Fazer delas palavras

Mesmo sem rima certa


E que unidas elas fizessem uma festa

Mostrassem só por um momento

Coisas belas que tenho aqui dentro

Coloridas por meus sentimentos


Manoel Gonçalves

sexta-feira, 20 de março de 2009

Cantiga de Cantador

Um poema que fiz faz tempo, para uma peça que encenei num festival local de teatro amador. Uma época gostosa essa do teatro... e o poema abaixo é uma brincadeira, uma narração com versos como se fosse um cantador. Uma história de posses de terra, muito antes da balbúrdia das invasões desmedidas e das incessantes discussões políticas sobre aproveitamento de terra, mas nem por isso sem a presença da violência muito conhecida nessas regiões. A peça em si foi feita com base em um artigo publicado numa dessas revistas semanais, que relatava a morte de um padre após o conflito numa região invadida, onde era comum a disputa e até mesmo morte de ambos os lados.


Cantiga de Cantador

Nas caatinga do sertão
Nas cidadi de pedregúio
Seja lá no meio dos mato
Ou socado nos entuio

Ou inté neste galpão
Bem no meio da fazenda
Nas terra que foi invadida
Cercado de gado e de mato
Do gado que come moita
Tamém do home que apanha
E chicote que açoita

Cheio do cheiro da relva
Lavano roupa no rio
O home se embrenha na mata
E mostra todo o seu brio
Trabaia de sor-a-sor
No cabo da enxada
E só pára de noitinha
Pra acorda de madrugada

E é no meio do sertão
De terra seca, castigado do solzão
Que eu vô contano os causo
Do povo que sofre o descaso

Canto do rico que bebe ouro
E do pobre que pede pão
Das famía que rasga o couro
Trabaiano nas plantação
Invadino terra sem uso
Brigano e morreno
Por um pedaço de chão

É nesses canto que o home luta
Que ele briga por sua famía
Onde isquece as lei fajuta
E conhece as do dia-a-dia
E resiste com sua garra
Pra fica, memo na marra,
Com ajuda de Deus e Virge Maria,
Ou dum revórvi na bainha,
Nas terra que ninguém dá valo
Onde infrenta a pobreza e a fome
E foge dos matadô
Que recebe dinheiro dos rico
Pra liquidá cum os invasô
E eles lutam isolado
Isperano só Deus do seu lado
Purque cum fome e cum dor
Só dá pra confia em Nosso Sinhô.
E o governo que faz vista grossa
Engorda as custa deles
Depois viram as costa.
E na eleição o político diz:
- Meu filho, vou dar terra e alimento pra comer!
Dispois de eleito grita empinando o nariz:
- What cazzo pensar ser você?

Ó, Jesus Cristo, força que no peito vive
Jesus, rogo-lhe com minha voz
Meu Senhor, ao seu lado sempre estive
Eu lhe peço, me escute uma vez mais
Jesus Cristo, aqui estou eu!
Aqui, bem aqui, me traga sua paz

Até quando, Senhor?
Não sei dizer, não.
Até que Deus se canse
E pare meu coração.
Ou que a bala me encontre
No meio da escuridão
Vou levando a vida
Olhando pro céu
Trabalhando o chão
Esperando a chuva
Pra que eu tenha meu pão
Luto com a minha sina
E a fé não se perde não


Manoel Gonçalves

quinta-feira, 19 de março de 2009

GUERREIRO DO APOCALIPSE

No quarto somente a cama
Lençol mal arrumado
Rosto mal traçado
Um traço sombrio emana
Da triste vida cansado
Omite um brilho, uma chama
Emite um riso abafado

Ilusões da mente insana
Por dentro um grito que clama:
- Olhe-me, ainda estou aqui!
Mas tudo se torna lama
De onde não pode sair
Abismo grande
Passado
Querendo-o sucumbir

Nas trevas, meio rosto perfeito
Meio corpo desfeito
Meia alma estraçalhada
Rajada de tiros?
Não. Granada!
Pessoas que voam
Batalha
Gargantas cortadas
Navalha
Matas em silêncio
Sonhos internos
Mortes em vício
Vidas em inferno

O estouro ecoa
Barulho
Estrondo que lembra, perturba
Limita o homem ao muro
De estranhas formas pontudas
Lembranças muito agudas
Deixam o ser inseguro
Guerreiro do Apocalipse!
Submerso na imundice
Confuso em sua crendice
Escondido no escuro
Jorrando o líquido impuro
Do horrendo e grotesco furo
A ferida aberta no peito
A dor latente na mente
Pesadelo sempre presente
Vergonha do mal já feito


Manoel Gonçalves

quarta-feira, 18 de março de 2009

SENTIMENTO VERDADEIRO

Um sentimento verdadeiro é
Se enche o corpo, da cabeça aos pés
Se junta um homem a uma mulher
Se une os dois e traça um plano
Dura segundos ou muitos anos
Sem perder o brilho, luz ou cor
E se seu nome continuar sendo Amor


Manoel Gonçalves

terça-feira, 17 de março de 2009

Momento Especial

Um momento especial
Várias pessoas, um ideal
Um riso, uma vibração
Um afago, uma carícia
Sem maldade, sem malícia
Um beijo, um perdão
Olhares brandos
Falas carinhosas
A correria mais sossegada
A pressa mais vagarosa
A hora quase parada

É instante de paz, reflexão
A renovação solta no ar
A esperança em forma de canção
Corpos, mentes, almas, corações
Jovem ou ancião; homem ou mulher
Encontro de muitas gerações
(Re)nascimento de cada ser

Manoel Gonçalves

segunda-feira, 16 de março de 2009

MARCAS

A menina cobre seu rosto
De sujeira, de vergonha, de medo
De incerteza no dia seguinte
Aprende a se virar desde cedo
Rotina sem nenhum requinte
Nada que pareça errado
Apenas um grave pecado
O fato de ter nascido

A menina cobre seu sorriso
Suas bonecas são trapos
Pedaços de madeira e panos rotos
Sua brincadeira é rir dos outros
Um riso nervoso e amedrontado
Que transpassa pelo vidro
E assusta quem está do outro lado

A menina cobre sua boca
Não sorri a boca banguela
Não mostra sua graça
E descalça, desnuda,
Desequilibrada
Troca um falso carinho
Pela proteção agressiva
De loucos e preguiçosos padrinhos

A menina cobre a si mesma
E de repente repete a sina
De tantas outras meninas
Perdidas, pedintes, pedantes
Encobrindo um corpo frágil
De malícia e jeito fútil
De pedidos no farol
De farrapos maltrapilhos
Maltratados, mal trajados
O rosto esturricado do sol
A sujeira lavada na chuva
São lágrimas
São lástimas
São gotas de suor
Que escorrem pelo rosto
E levam no sal sujo
A amargura e o mau gosto
Da vida que lhes é impelida
E a muito contragosto, engolida.

Manoel Gonçalves

sexta-feira, 13 de março de 2009

Nascente

Ter um tempo para si
Parar, sentar, sentir a brisa
Olhar o horizonte
Sentir o perfume das flores
O calor do Sol matutino
O beijo do mar na praia
E a certeza que a natureza é sabia
E que esse dia é especial
E o melhor é saber que tudo isso
Se renova a cada dia

Manoel Gonçalves

quinta-feira, 12 de março de 2009

Fraterno

Em cada texto escrito
Uma palavra oculta
Um sentimento implícito
Uma saudade que machuca

Em cada verso lido
Um furor abrandado
Um ente lembrado
Na mente o momento revisto

Em cada olhar
Risos incontidos, afagos
Braços conhecidos
Contatos perdidos, vagos
Ou cultivado diariamente
Aos poucos desenvolvido

Cada gesto ofertado
Calor, amor e carinho
Lágrimas escorridas
Gente muito querida
Abraços apertados
Simples, estabanados
Vívidos, sinceros
Renovados, fraternos

Manoel Gonçalves

quarta-feira, 11 de março de 2009

Carta de um cristão: pequena conversa com o Criador

Oi, meu Senhor, me desculpe o atrevimento e a descompostura por não estar em Sua casa e vir falando como se fosse um chegado Seu, mas é que eu precisa ter uns dedinhos de prosa (como dizem os matutos) e não queria intermediário ou cerimônia.
Olha, anda acontecendo uns negócios esquisitos aqui na terra que o Senhor criou e com o povo que foi colocado nela. Eu fico sem entender direito. Penso, penso e penso, mas não consigo chegar a conclusão alguma. Quem sabe o Senhor não dá uma luz... Tudo bem que dizem que há representantes Seus aqui e que eles podem explicar tais “mistérios da fé”, porém, eles andam falando cada coisa que a gente fica desconfiado de tudo, sem saber se ainda dá para acreditar neles.
Vou tentar me explicar. Vira e mexe, por essas bandas de cá, o povo inventa umas catástrofes, mortes e mortes sem propósito, guerras e mais guerras em Seu nome e mais tantas ações descabidas, também usando a Sua imagem, na intenção de barrar os primeiros raivosos. Vez ou outra, um de Seus filhos inventa de ficar louco e sair baixando o porrete ou metendo bala em qualquer um que passa pela frente. Bom, mas como o Senhor tá em todo o canto, isso já é sabido, né mesmo? Mas o que está me tirando o humor é o que aconteceu com a pobre menina de 9 anos. Isso deixa a gente de cabelo em pé. Só o acontecido já é motivo para ficar pasmo e sem ter fé na bondade do ser humano (me desculpe a sinceridade).
Pai e mãe foram escolhidos para cuidar dos filhos. Padrasto ou madrasta tem de assumir a responsabilidade que lhe é cabida. A criança, que não tem maldade e não consegue perceber o quão sacana pode ser um adulto, confia cegamente e se ampara nessas pessoas. Como é que alguém, dotado de todos os artifícios da inteligência, usa tudo isso para se aproveitar de uma pobre criança, com apenas seis anos e da irmã mais velha, com deficiência? Quem deveria protegê-la e dar amparo, no caso, foi justamente o monstro que acabou com sua pureza e a condenou a viver com essa lembrança pro resto da vida. E se não fosse a equipe médica que impediu essa gravidez maluca de ir adiante, ainda teria dois frutos dessa violência. Se é que conseguiria levar isso adiante, pois uma criança, sem estrutura formada adequadamente para ser mãe, sem condições psicológicas, sem tamanho e peso adequados, carregar mais da metade do seu peso na barriga (considerando que uma mulher engorda bastante na gestação), não sei se a menina aguentaria.
Quando todos pensavam que a barbaridade tinha limite, aparece um de Seus servidores, com o dedo esticado e nariz empinado, condenando a ação médica e amaldiçoando-os. E ainda pior, dizendo que o padrasto cometeu um pecado menor! Que esses são os ensinamentos bíblicos e que a igreja defende a vida, os preceitos do Criador e de Seu Filho. O que é isso, meu Senhor? Não posso crer que seja essa entidade punidora dos seres que criou, que está ali, vigilante, esperando alguém escorregar, para terminar de dar-lhe a rasteira e apontar Seu poderoso dedo. Sempre aprendi que o Senhor é amor e bondade. Mesmo com doenças e outros males, não dá pra acreditar que seja tão contraditório.

Claro que, como cristão, defendo a vida, mas qual vida teria essa criança (mesmo com apoio psicológico como falaram), qual vida repleta de ensinamentos ela teria para oferecer aos futuros nenês?
A pessoa que se infla ao dizer que é Seu servidor não é pai, não é mãe, não tem filhos, não tem preocupações constantes com sua família, não é médico. Como pode ela julgar o que é melhor ou não para as outras pessoas? Como ele pode falar por Sua boca e dizer que essa é a Sua vontade? Será que ele esqueceu das barbaridades que a igreja já cometeu e dos escândalos (incluindo a prática de pedofilia) associados aos "colegas de fé"? Não é igualmente monstro aquele que se apoia em verdades inquestionáveis para punir alguém que vá contra essas ideias e, ao mesmo tempo, livra o culpado da monstruosidade? É dito que somos Sua imagem e semelhança, mas acho que a comparação está sendo invertida, pois estão inventando um Criador à imagem e semelhança do ser humano, com as mesmas limitações e com o mesmo dedo em riste. Assim, esse "criador-criado" pode vigiar e punir, dizer quem está certo ou errado, assim como emitir novas listas de pecados, isentar monstros como o fulano que fez essa maldade e condenar as pessoas que salvaram a vida da criança.
Sendo pai e cidadão, peço todos os dias que nada aconteça às minhas crianças ou com os filhos de quem quer que seja, não porque me acho acima do bem e do mal, mas porque tento viver o amor pleno, aquele que acredito que venha verdadeiramente da Sua divindade e porque, caso aconteça, temo esquecer os preceitos de ser cristão. Não importa como O chamam e nem mesmo se dão algum nome ao Senhor, o que importa é que, de uma forma ou outra, sempre há fé nesse amor que pode mudar as pessoas e o mundo.
Sei que me estendi, mas quem sabe o Senhor me ajuda a compreender esse absurdo. Sim, porque aceitar, não dá. Depois, os mesmos servidores perguntam por que a Sua casa esvazia a cada dia, por que as pessoas não assumem a religiosidade. Tenho algumas suspeitas sobre a(s) resposta(s), mas isso já é outra conversa.


Obrigado,
Um cristão.

A carta é fictícia, mas poderia não ser. A violência contra a menina é real, mas deveria não ser. Os dogmas seculares existem, manipulados e manipuladores também, mas a natureza humana é mutável e ninguém pode controlar a vontade e os sonhos das pessoas, mesmo que queira, mesmo que as aprisionem, ainda restarão os pensamentos e os labirintos da mente. Ali, ninguém pode invadir e se apossar.

Manoel Gonçalves

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Brincadeira

Felicidade é brincadeira
Brincar de ser criança
Jogar os braços pra cima
Festejar o sol e o calor
A brisa e seu frescor
Mergulhar
Cair na grama
Rolar sem se preocupar
Se a relva está molhada
E se a roupa sujar

Manoel Gonçalves

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Amor reluzente

Não adianta contar as palavras
Elas são mais que números
Apesar de poderem narrar momentos
São poeira, folhas secas ao vento
Tão fortes em certas ocasiões
Que cortam olhares, carnes, razões
Tão frágeis em instantes quentes
Que adormecem, fragilizam mentes
Liberam o inconsciente
Afloram o amor dormente
Entorpecem raivosos gestos
Em afável manifesto
Quebram geleiras, curam cegueira
Transformam casais, pessoas normais
Em seres mágicos, iluminados
Duas pessoas, uma história
Anos vividos em glória
Dois eternos apaixonados

Manoel Gonçalves