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sábado, 25 de outubro de 2014

Ode Odeio Ódio

Por conta desse ódio pulsante
De falta de gente pensante
De uma raiva descabida e errante
De um desejo no mínimo intrigante
De se fazer “justiça” ou levante
É que se vê de modo preocupante
A inteligência partir, vazante
Razão esmagada por elefante
O irracional fica mais confiante
Primatas voltam como antes
Bate-se no peito triunfante
Por verdades chulas rastejantes
Mata-se a esperança infante
E o sentimento brincante
Fica tudo chato e entediante
Animosidade sempre adiante

E as oportunidades de ser
Simplesmente ser, ver, estar
De tédio, horror e do podre poder
Morre prematuro, sem rima, sem cor
O respeito e o bom senso vão junto
Fica só o oco do toco, murcho ser


Manogon

sábado, 16 de agosto de 2014

Cegueira

Narciso (1594-1596), por Caravaggio

Olhei
Juro que olhei
Olhei bem no fundo
Vazio fundo de seus olhos
Estáticos olhos de modelo
Brilho frio
Intenso e cortante
Do corte seco
Cauterizador
De um membro importante
Eu

Procurei
Juro que procurei
Procurei em sua pupila
E só vi um corpo à distância
Pálido, desbotado
Trêmulo, disperso
Enevoado pela catarata da retina
Uma quase cegueira
Limbo escuro
De um corpo em purgatório

Sofri
Juro que sofri
Sofri por saber-me desabrigado
Da morada de seus olhos
Dos raios cintilantes
Se sua íris
E por achar-me órfão
Abandonei de vez o lar
Se não podia estar
Na foto registrada em seu olhar
Não queria estar em mais nada
Nem em seus lábios
Nem em sua pele
Nem em seu sexo

Curei-me
Juro que curei-me
Curei-me de sua turva visão
Do seu foco impreciso
De querer achar-me
Nítido e em primeiro plano
Destaque total no seu enquadramento

Então vi que era tudo ilusão
A imagem não era real
Era só reflexo
Imagem dilatada
Numa pupila débil
Percebi que você
Não passava de um espelho d'água
Onde a mesma já se movimentara
E eu, pobre de mim,
Era apenas um Narciso
A fitar um artefato oco
Indignado por não ver mais
Minha imagem refletida
Mesmo que fosse distorcida
Monocromática

E, assim, seduzido
Pela ausência da imagem
Afoguei-me em mim mesmo

Eu vi
Juro que eu vi
Vi tudo que eu queria ver
De todos os ângulos
De seus convexos olhos

E no meu ponto cego
Uma dúvida
Latente
Quase certa
Crescente
Será que um dia eu a vi?

Manogon

segunda-feira, 11 de agosto de 2014

Diálogo com meu pai

Se você pudesse me ouvir
O que eu diria?
Ei, velho, senta aqui
Hoje é seu dia
Chega bem pertinho
Só quero um abraço
Pedir um conselho
Fazer um carinho
Ei, você viu só
O tempo esfriou
Meu time ganhou
A água secou
Amenidades
Coisa boba
Banalidades

Se você pudesse me ouvir
O que eu diria?
Desculpa!
Por todas as vezes que chorei
Por culpá-lo por ir
Por ficar doente
Não resistir e partir
Desculpa por não perceber
Que um cara como você
Nunca se ausenta, nunca se vai
Não por ser eterno
Mas somente por ser pai

Se você pudesse me ouvir
Eu diria obrigado
Pela família que deixou
Pela vida, pela casa
Pela mãe que me criou
Pelas irmãs e irmãos
Que me mostraram você
Me tomaram como a um filho
E não o deixaram esquecer
Por cada ensinamento
Que a eles pôde passar
Caráter, valores, conhecimento
Tesouros que não se pode pagar

Diria a você, meu pai
Obrigado pelos amigos
Que fez ainda em vida
Pois eles nunca deixaram
Que fosse em vão sua lida
Não achei quem falasse
Nenhuma palavra indevida

Se você pudesse me ouvir
O que eu diria?
Que o senhor sempre esteve
Nos meus dias presente
E não só na minha mente
Está no nome que emprestei
No jeito simples que herdei
Na forma de cuidar da família
Em como trato minhas filhas
No amor dedicado à esposa
E em tantas outras coisas
Até na forma como faço com o feijão
Ao sair fresco da panela de pressão

Ah, meu velho, se você fosse vivo
E eu o tivesse conhecido
Talvez teríamos brigado
Sem se falar por um tempo ficado
Mas é certo que com seu jeito
Iria me puxar junto ao peito
Ou mesmo me dar um grito
E de certo teria dito
Aquilo que me faria desmoronar
Que tanto representa o verbo amar
Se pudesse mesmo me ouvir
Eu seria piegas sem temor
Sentaria ao seu lado no sofá
Botaria um Fábio Júnior pra tocar
E ainda cantaria juntinho
"Pai, você faz parte desse caminho"
Que, tenha certeza, sigo
Nem sempre na mesma paz
Mas sempre pensando em ser
Uma parte do que foi
Meu pai

Manogon 10-08-2014

terça-feira, 29 de julho de 2014

Fra(e)ternidade


Amigo é um doce

Uma reza
Um abrigo
Um afago

Amigo é azedo
É bronca comedida
É pegar no pé
Cutucar na ferida

Amigo é espelho
Repetir gestos
Vestir a sombra
Sentir a dor
Secar as lágrimas

Amigo é ser
E mais que ser
Estar
Sentir
Pulsar

Amigo é pular
Seja corda
Seja abismo


Amigo é saudade

Do que foi
De quem foi
Do que está
Do que vem
Do que será

Amigo é nada

Simplesmente 
O vazio
O vácuo
O entender de olhares

Amigo é tudo

Meia no pé
Cobertor
Chocolate quente
Lenço de papel
Música brega
Filme antigo

Amigo é momento
A mão que empurra
O peito que afaga
O ouvido a espera
O sonho partilhado
Conquistas
Emoções etílicas
Vibrações físicas
Abraços

Amigo é amigo
Tudo isso
Nada mais
Ou só isso
E muito mais

Manogon

terça-feira, 8 de julho de 2014

Dura, Envelhecida e Renovada

Itaquera
Pedra Dura
Envelhecida
Duras pedras
Duras penas
Sofridas
E pena
Que pena

Itaquera pra quem mora
Itaquera de quem adora
Pra chegar é difícil
Sair então, sacrifício
Já foi muito mais
Alguns poucos anos atrás

Itaquera, nossa terra
Quase no fim da leste
De gente igualmente dura
Feito o cabo da enxada
Feita da vida labutada
Feito tantos como meu pai
Que vieram do longe sertão
Feita também de mulher forte
Que tudo largam e tentam a sorte
Uma gente de bom coração
Que enverga, mas não cai
Não se acomoda no chão

Mas Itaquera ficou famosa
Apesar de ser antiga
Tornou-se enfim conhecida
Não por algum crime ou cativeiro
Nem por tráfico ou roubo de dinheiro
Virou notícia no mundo
Em noticiário internacional
Está cheia de novidade
Virou atração da cidade
Atração de todo o país
E do povo de outro lugar

Enfim, Itaquera mudou de vez?
A fama trouxe progresso outra vez?
Não, o povo não ficou rico não
Sequer melhorou a educação
Não está no auge de sua plenitude
Tampouco revolucionaram a saúde
Não construíram novos hospitais
Nem sanaram problemas sociais
Não herdou riqueza nem herança
Nem é menor a falta de segurança

Até pintaram nossas ruas
Recapearam outras tantas
Melhoraram alguns acessos
Só não veio junto o progresso
Que foi amplamente alardeado
Em propagandas de TV e rádio
Assim que foi informado
Que Itaquera teria estádio
Hotel, rodoviária e investimento
Chance de mais desenvolvimento
Mas essa promessa não é nova
Sempre tem a que se renova
Algo que parece genial
Trazer pra nossa região
Mais saúde, justiça e educação
Que transforma, liberta e perdura
Que incentive a produção de cultura
Dar para empresas isenção fiscal
Para tais polos comercial e industrial
Coisas que não são exclusivas
Do bairro e dos moradores
Anseios que a população precisa

E se pareço revoltado
Peço não julgue errado
Não acho de todo mal
O que foi feito afinal
Não estou de fato puto
Mas Itaquera merece de fato
Muito mais que túneis e viadutos


Manogon

sexta-feira, 27 de junho de 2014

Sofá Vazio


Ausência
Não é a falta
Não é o não ter
Não é o não ver
É saber o que fazer
Com o que sinto por você
Ausência
É ver que o sofá
Não tem mais sua marca
Que a TV não reverbera
Seu sorriso
Que a louça não sorri
Ao seu toque
Que a planta não se pinta
Mais com suas carícias
Ausência
É o quanto estou
Repleto de você
O quanto de você
Carrego em mim
E acabo sendo egoísta
Com esse sentimento
Pois não posso mais
Partilhá-lo consigo
Tento ausentar-me
Mas o vento que ecoa
Nas montanhas do passado
Uiva suave em meu ouvido
E nele só escuto sua cantiga
Só vejo a fumaça do café
E vejo sua mão enrugada
De pele fina e calo grosso
Acariciar o sofá
E me chamar pra sentar

Manogon

terça-feira, 17 de junho de 2014

VagArte

Se a vida se arrasta
Lenta
Se o vagar é um fardo
Aguenta
Se o deslizar é um arte
Inventa

Manogon

(Re)Verso


Que atire a primeira vidraça
Aquele que nunca foi pedra
Que aponte a cara no dedo
Quem faz do erro uma vida
Aquele que nunca se engasgou
Com o comprimento da língua
Que fique exposto na praça
Aquele que nunca queimou suas bruxas
Que seja beatificado em altar-mor
Quem só passou pelos pecados na vida
Que o corpo não fique desforme
Sob o peso diário da terra
Suportado mesmo antes da morte
Que a face sofrida não se trinque
Com o reflexo retorcido do espelho

Manogon

Oratório


Não escrevo poesia
Derramo sentimentos
Ora declamo o mundo
Ora descrevo paixões
Ora expurgo fantasmas

Não sou poeta escritor
Ora sou vento brando
Acariciando madeixas
Ora sou nuvem escura
Carregando tempestades
De sentimentos e pensamentos
Ora sou tormenta furacão
A causar tremores ao coração

Não canto flores em prosa
Não viajo com os pés no chão
Desconheço a cadência da rima
Nem palavras soltas em uma oração

Manogon

De Pernas pro Ar



Se Antônio subesse
O que é que é esse dia
Fazia tudo que desse
Pra mode casá Maria

Ah, se Antônio suber
O que se faz nessa noite
Dava uma surra em Jusé
Daquelas feias de açoite

Mas Antônio não se importa
Nem com Zé ou com Maria
Se pica pra fora da porta
Pra só voltá no outro dia

Ah, Antônio, volte, apareça
Abençoe o pãozinho do arroz
Ou vai ficá de ponta-cabeça
E só vai desvirá bem dispois

Acontece que Mariazinha
É doidinha pelo Zezito
Já rezou até pra Mainha
E também Santo Ixpedito

Só falta com Antônio falá
Pra mode fazer o casório
Pruquê se o Zé num casá
Já vai tá pronto pro velório

Então, por tudo de mais sagrado
Antônio, seja lá onde se enfiou
Venha na carreira, apressado
E traga o padre e o doutô

Assim, encerro essa prece
Pra que tudo termine em paz
E nem que seja na quermesse
Una essa mulhé e o rapaz

Manogon

Penitência


Trago em mim
Estacas no peito
Na esperança de findar
O sofrimento vampiresco
O mal súbito noturno
O sangue que vertia ao inverso
Saindo de minhas feridas
De meus olhos lacrimejantes
Sanguíneo farol flamejante
Queimando, ardendo, ferindo
Trago em meu peito
As estacas que enfiei
Inocentemente, sem querer
Na jugular da amada
Assim, como coisa pouca
Ao preço de um simples riso
Sem nada lhe oferecer em troca

Manogon

segunda-feira, 26 de maio de 2014

Conta gotas


Sinto o
Pingar
Da prosa
Suplicante
Gotejante
Solitária
Uma a uma
No meu oceano
Poético

Manogon

Fonte


Das lágrimas de seus olhos
Fiz minha Quaresma penitente
E supliquei perdão aos meus pecados
Na sua santa carícia e nos afagos

Das palavras que escorreram
Da doçura de seus lábios
Fiz-me bem-te-vi e me saciei
Do seu mais puro néctar

Do brilho de seus olhos
Orientei minha nau da deriva
Bebi de sua fonte à tarde
E vislumbrei meu horizonte

Do seu calor de amante
Virei-me em brasa e luz
E achei meus caminhos e segredos
Na inquietude de suas marés lunares

Manogon


Para minha inspiração de todo dia
Eunice Quitéria

Primavera


E essa força que dilacera
Que rompe, roça, rasga
Uivo longo e agudo
Que corta a brisa mansa
Dissipa a barreira enevoada
Semente teimosa
Germinando em rochas
Árvore frutífera
Florindo, flor indo
Palavras maduras
Versos caindo
E essa força que dilacera?
Rompe, irrompe, aos montes
Às pencas, aos molhos, aos cachos
Ramalhete de sentimentos
Coloridos como gerberas
Miúdos e milhares
Véu de noiva
Que cobre e enfeita
E essa força?
Sei lá
Paixão
Coisa de poeta
Que nasce em botão

Manogon

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Feijoada Braba

Feijoada Braba
Feijoada braba
Pesou pra burro no bucho
Feito âncora levada ao fundo
Pesou mais na cabeça
Da tristeza do moribundo

Feijoada indigesta
Concreto armado na barriga
Líquido azedo de refluxo
Soco ácido no estômago
Ressaca, descarga, repuxo

Feijoada completa
Acompanha torresmo duro
Da vida roída no osso
Farofa de poucos miúdos
Já que miúdo foi o bolso

Feijoada mesquinha
Carne seca estava em falta
Preço do paio em alta
Costela, só se for a minha
E nem sinal da caipirinha

O jeito foi tomar um Zulu
Pra encarar esse angu
Desceu rasgando a goela
O peito, o bucho e as tripas
Pra completar a besteira
Da pobre feijuca lembrar
Me deu uma caganeira
E nem papel pra me limpar

Manogon


Uma poesia pra tirar um barato. Uma forma de rir daquilo que às vezes pode ser desastroso e que reflete também uma desgraceira maior. Não aconteceu de fato, mas há fatos que podem ser vistos aos poucos, isolados ou acompanhados. Já vi mesmo um cara, depois de se enfiar como voluntário numa obra a espera dos bebes (nem tanto os comes), encarar uns bons goles de álcool (que era pra acender a churrasqueira), na falta ou pelo excesso da pinga, e sair se maldizendo. Terrível e deprimente...

Riso Raso

Um riso raso
Raro e caro
Sem preparo
Sempre para
Se depara
Se deprava
Rico rio de raros
Risos Rasos

Raros risos
Raivosos, Rotos
Divididos
Distantes
De instantes
Raros e ralos

Escassos risos
Sorrisos díspares

Pare! Diz um riso
Dispara! O outro incita.

Ela só ri, sorriso raso
Não se excita nem hesita.

Disparo!

No canto da boca
Fluído em fluxo
Resta o resto
De um raro e caro
Raso ruído riso

Manogon

sábado, 18 de janeiro de 2014

Senões

Senões

Na sala tudo lembra você
Menos o sofá, que já não possui a forma de seu corpo

Na cozinha tudo lembra você
Menos o fogão, que não sente mais o aroma de seu café

No quarto tudo lembra você
Menos o espelho, que já não vê o pente deslizar em seu cabelo

Na casa tudo lembra você
Menos a flor, que já foi de maio e, hoje, não tem mês nenhum

Em mim tudo lembra você
Menos minha boca, que não pode mais tocar o calor de sua pele

Em minha mente tudo lembra você
E nisso faço questão que não haja qualquer senão

Manogon

18-01-2014

Lamúrias do tempo

É preciso escrever para dar vazão ao sentimento e às ideias represados, sob risco de um transbordo desenfreado e alucinante.


Lamúrias do tempo

Sigo o
Som
       Que soa
           Pela fresta
                      Escoa
         Siiiiilvos de alumínio
     Ecoooooaaa
Cego som
    Que passa
        Sem passo
        Sem posse
   Só sopra
Soçobra
     Sussurra
        Só
       Surra
O vidro
Os furos
A porta, aperta, apoia
Aporta
      Uuuuuivo de lobo
     Soprando e soprando
        Empurra
          Agoniza, aterroriza
Grito agudo
    Zurra!
Fiuuuuuuuu!
      Que zorra!
- Viu?
- Não!
- Sentiu?
O frio, o arrepio, o sombrio, o vazio

Vento na janela
     Passa, passa
     Pulsa, pulsa
Engole a chama, apaga a vela
Segue o som pelo apartamento
           Calmaria...
Sumiu o vento.
Ventou com ele
O pensamento
Deixou na fresta
Lamúrias do tempo.

Manogon