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sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

Despedida de um suposto inocente

Este é um conto que foi publicado dia 9-02 no blog Livro Aberto, editado pela Lunna Guedes, do qual participo todos os sábados. Por falar nisso, amanhã (23-02) tem mais um. Confira!



Abraços.





Despedida de um suposto inocente


Pela janela vejo a noite escura e sombria. Não há lua no céu, o que torna a noite mais enigmática. Uma sensação estranha permeia os meus sentimentos. Não sei exatamente o que me deixa assim, mas faço uma idéia. A noite silenciosa me convida às reflexões, às vezes banais, às vezes existenciais. Nessas últimas é onde me perco. Mas também é onde tenho a oportunidade de sair desse marasmo.


Não sei como vim parar aqui. Essa cela abarrotada de gente, fria e fedida. Um lugar onde a gente se esquece quem é e das coisas que mais gosta de fazer. Ontem, ao menos, foi diferente. Sai. Não fisicamente, é claro. Viajei por mundos distantes. Consegui vislumbrar além desse quadro de alvenaria. Voei acima das nuvens. Explorei os mares e seus segredos. Conquistei riquezas que jamais sonhava em possuir. Enfim, consegui sonhar. Era um paraíso. Mas a realidade crua me puxou de volta e cá estou, acuado, fragilizado e sem esperança.


Não lembro o que houve. Só sei que entrei num bar para espairecer. Andava meio desconfiado. Já havia algum tempo parecia não ser eu mesmo. Algo diabólico me rondava. Mas naquela noite o meu destino estava selado. Só me vem à memória que vi uma amiga, a qual platonicamente eu namorava, acompanhada por um cara. Meu mundo caiu. Tomei umas seis doses e tudo de apagou. Dizem que foi medonho, bárbaro. Mas eu não fiz nada. Só lembro-me de ter acordado na delegacia. E depois, aqui. Jurei inocência, mas ninguém acredita e riem da minha cara dizendo que aqui todos assim se definem.


Depois de tantas investigações, enfim, descobriram o verdadeiro assassino. E selaram sua condenação. Mas o pior foi saber que ele veio para o mesmo lugar que eu. Fiquei ao mesmo tempo furioso, por saber que ele é o culpado de eu estar aqui, e temeroso, pois sei que ele é cruel demais. Ele já soube que estou aqui e como não tem muito espaço nessa prisão, sei que em breve ele virá. Está furioso e disse que eu fui culpado por pegarem-no. E não gostou. Sua fúria está incontrolável. Jurou vingança. Disse que acabará comigo e que de hoje não passo. Tento lutar para me manter aqui, mas já não tenho mais forças. Acho que será essa noite. Ouço seus gritos aterradores. Não poderei enfrentá-lo. Sou fraco demais e não há espaço nesse corpo para nós dois. Então, só me resta contemplar a noite escura e me conformar. Sei que não vou sair daqui mesmo. Aqui não é lugar mesmo para pobres sonhadores. Eu seria devorado se permanecesse aqui. É melhor abrir espaço para a sua raiva e aceitar que ele suma com o que resta de mim. Sem esperança, é melhor deixar que tome o controle. Ele já é maior que eu mesmo e me engole aos poucos. Depois de ter “experimentado” o gosto do sangue, em vez de se arrepender, gostou. Serei a próxima vítima de sua falta de escrúpulos. Somente mais uma dentre as inúmeras que acho que fará. Pobres idiotas que aqui estão. Serão meros corpos com o passar dos dias. Ele os devorará. Minhas forças somem e as dele, criatura maligna, crescem. Só queria ter tido mais tempo e mais coragem para lutar. Faltam poucos momentos de lucidez. Os últimos. Depois, sei lá onde estarei. Serei apenas o reverso do espelho da outra face, a do mal. A que se mostrou mais forte e que está prestes a cometer mais um homicídio, o meu. Já não há mais tempo. Já não há mais nada.


Fujam pobres presas, pois ninguém ficará vivo ao meu lado... isso me fascina... sangue, ossos quebrados, olhos de súplica, gritos e... mais SANGUEEEEE!


Manoel Gonçalves

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