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sexta-feira, 13 de junho de 2008

Sussurro

O sussurro na calada da noite chegou sorrateiramente aos seus ouvidos. Aquela voz, aqueles poemas, aquelas obscenidades… tudo conhecido e há muito não ouvido mais. Seria um delírio ou um sonho? Estaria ele escutando mesmo a rouquidão daquela voz suave e provocante a rondar sua nuca novamente. Ele nunca fora chegado a afetos demasiados banais para a sua criação e conduta de homem de negócios. Ah, mas com ela foi diferente desde o começo. O encontro na fila do cinema, os dois solitários (ela acabara de tomar um majestoso pé na bunda e ele sem expor suas emoções. Mas um esbarrão na saída da lanchonete e pipocas para todo lado foram o suficiente para marcar o início de um romance ardoroso, arrebatador e cheio de situações ousadas que ruborizavam as pessoas presentes, haja vista que o fato de ser local público ou privado nunca foi empecilho para ambos. Mas agora tudo era fumaça. Coisas que se desfiguram na névoa. A não ser quando a saudade derruba e o tédio arma o terreno para sentimentos de arrependimento e súplica. Nesses momentos, até um cheiro de ovo frito pode desencadear lembranças fortes. Ela era muito prendada na arte culinária e ele achava isso ótimo (o ovo era pedido especial dele para tomar o café da manhã). Mas sua paixão por gastronomia a aproximou de um chef francês que fazia algumas palestras no Brasil. O comunicado veio de forma simples, mas o corte que deixou foi profundo. Ele ainda não cicatrizou. E agora que a voz ecoava em seu ouvido, como um mantra do amor, ele revivia cada alegria e cada dor. Deu um salto e correu para o interruptor. Nada, nem sinal de qualquer vestígio dela. O jeito era se entregar às pilhas de papel dos relatórios e curtir a fossa ali mesmo ou socado num boteco qualquer. Quem sabe poderia pintar alguma coisa? Um esbarrão, coisas caídas, um jantar (desde que não fosse francês, é claro). O sussurro? Quem poderia ser? Ah, esquece, aquilo foi só um delírio de sua mente cansada, comprometida pelo álcool, e de sua paixão não correspondida. Os ecos eram de sua própria voz gritando para sua alma e vontade de viver esquecerem as mágoas e voltarem à vida.

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