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sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

Andanças em Sampa

Texto na íntegra de Andanças em Sampa, que saiu na edição anterior (15-01) do Coletânea Artesanal.

Andanças em Sampa

Não conseguia dormir. Apesar de esgotado, não conseguia dormir. Virava na ama como um ponteiro louco de relógio, descompassadamente. É, não ia ter jeito mesmo, teria de sair um pouco e espairecer. Mas não queria encontrar ninguém, não queria ir a nenhum lugar específico. Assim sendo, peguei minha jaqueta e sai sem destino. Caminhei até a estação, entrei no metrô e quando dei por mim, já estava na Av. Paulista. Ali, engolido pela imponência dos enormes edifícios e pela inquietação da noite, poderia deixar de ser um pouco eu mesmo e ser absorvido pela paisagem boêmia da noite. Sem me prender a nada, caminhei pelas largas calçadas e, por vezes, divagava observando pequenas poças d’água que se formaram após a rápida chuva, resultado de um dia calorento e abafado.

Atravessei a Rua Augusta e dei uma espiada no movimento frenético dos bares e boates que fervilham mais pra baixo, sentido centro da cidade. Do outro lado, o Conjunto Nacional, uma passagem obrigatória em minhas andanças naquela região, por causa da Livraria Cultura. Tão distraído que estava que quase fui atropelado por uma motorista desvairado. Provavelmente alguém apressado para não perder a balada. Mais a frente, passei pelo Masp e o Parque Trianon. Ainda hoje me admiro pela arquitetura ousada desse marco de São Paulo e que nos proporcionou o vão do Masp (muito embora a vista que se tinha antigamente tenha sido engolida pelo concreto). Passei pelo prédio da Gazeta, observei o emblemático edifício do Sesi, onde costumo assistir aos espetáculos em suas temporadas, e quando dei por mim, estava descendo a Brigadeiro Luís Antônio.

À noite, quando tudo está silencioso e notívagos, bêbados, baladeiros e prostitutas vagam pelas ruas, tudo parece sombrio, tudo parece abandonado. Lojas fechadas, botecos exibindo seus últimos clientes totalmente despidos de seus modos civilizados, a luz fraca dos postes, tudo contribui para uma visão de uma cidade em quadrinhos, uma Gothan City estilizada. E nesse cenário, pareço um roteirista escrevendo o próximo capítulo, bebendo de sua essência, inalando o odor do lixo e a mistura de cheiros que emanam dos becos e ruas úmidos. Subitamente paro, inerte como que enfeitiçado, vítima fácil para um predador. Até que recebo a pancada. Saio correndo e entro na Rua dos Ingleses, esgueirando pelas frestas, desço a escadaria e surjo na Rua 13 de Maio. Tenho que achar um lugar. Recebo outra pancada. É cada vez mais forte. Rápido, depressa, não posso ficar parado. Corro pelo Bexiga como um louco. Vejo uma cantina aberta, mas pelo meu estado o porteiro me encara e como não tenho tempo para me explicar, continuo a correria. Entro num barzinho, sedento e quase em frenesi, pego uma mesa no canto e me escondo. O garçom chega um tanto assustado, pergunta o que desejo. Digo-lhe que não posso perder tempo. Peço uma cerveja, mas antes uma caneta. E ali, no guardanapo mesmo, solto o que estava me deixando louco. Sinto-me cansado, mas feliz. Enfim, encontrei o final que tanto procurava para a minha história.

Manoel Gonçalves

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