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quarta-feira, 2 de novembro de 2016

Caindo de si em si mesmo



Imagem: Freepik


"...Não sei onde eu to indo
Mas sei que eu to no meu caminho
Enquanto você me critica, eu to no meu caminho..."

(No Fundo do Quintal da Escola - Raul Seixas)



Estimado filho,

Você não sabe a alegria com que recebi sua carta no dia do meu aniversário. Não esperava nenhuma novidade, nenhuma notícia. Já estava até me conformando em passar mais um dia no mesmo marasmo quando fui surpreendido pelo Zé chamando meu nome. Zé é o nosso carteiro, que conhece quase todo mundo e sempre traz as boas novas (ou nem tão boas assim).

Eu queria tanto saber notícias suas... puxa, quanto tempo já se passou! Desculpe não ter comparecido à sua formatura. Não deu pra ir. Mas imagino como ter sido linda a festa. Um dia de muito orgulho e muita alegria, mesmo sem a minha presença. Estou certo que sua mãe também está muito contente com você. Ela deve estar chateada comigo, não é? Mas não a culpo. Do jeito que as coisas estão, a gente acabou se distanciando um pouco. Mas saiba que ainda a amo. E você então, nem se fala. Sou louco por você, moleque! Saiba disso e nunca esqueça.

Meu coração se encheu de alegria em saber que vai fazer um curso técnico, que já pensa em trabalhar e que anda de olho numa garotinha aí. É... o tempo passou mesmo! Meu menino já é quase um homem, já crescido. Isso mesmo, meu garoto, estude bastante porque sem estudo a gente não consegue muita coisa. Espero coisa melhor pra você e não o mesmo destino que o meu.

Eu também gostaria de vê-lo, mas sei que não dá. Você não pode vir pra cá e eu estou impossibilitado de voltar pra casa no momento.

Bom, meu filho, se cuida e cuide de sua mãe. Lembre-se que é o homem da casa, rs. Eu ficarei bem, na medida do possível. Quero receber mais notícias suas e, se não for pedir demais, quero que receba as minhas também, apesar da minha rotina não mudar. Mas só de poder escrever para você, meus dias aqui ficarão melhores. Não vejo a hora de poder voltar, se é que ainda vão me receber e me perdoar. Espero ansiosamente o fim da minha pena, mas ainda faltam 18 meses. Pra quem já perdeu alguns anos nessa cela, meses não são nada. Desculpem-me pelos meu erros. Fui fraco, mas na minha cabeça, estava tentando melhorar a nossa vida, levar comida pra casa. Nem parei para pensar se era certo ou não. Lamento.

Fique em paz. Te amo. 

Seu pai, AC.

Sétimo tema da blogagem coletiva com autores da Scenarium Plural, projeto Missivas de Primavera. Participam desse projeto os autores:

Adriana Aneli | Lunna Guedes | Tatiana Kielberman | Chris Herrmann | Mariana Gouveia | Manogon |Emerson Braga | Ingrid Morandian

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