Navegar é preciso; Viver não é preciso
(Fernando Pessoa)
"Navegar é preciso; viver não é preciso".
Quero para mim o espírito [d]esta frase,
transformada a forma para a casar como eu sou:
Viver não é necessário; o que é necessário é criar.
Não conto gozar a minha vida; nem em gozá-la penso.
Só quero torná-la grande, ainda que para isso tenha
de ser o meu corpo e a (minha alma) e a lenha desse fogo.
Só quero torná-la de toda a humanidade;
ainda que para isso tenha de a perder como minha.
Cada vez mais assim penso.
Cada vez mais ponho da essência anímica
do meu sangue o propósito impessoal de engrandecer
a pátria e contribuir para a evolução da humanidade.
É a forma que em mim tomou o misticismo da nossa raça.
Cara T,
Estava eu como uma barco à deriva, vagando indefinido pela
suave correnteza deste grande rio, sem saber muito bem qual rumo tomar. Por
ordem do destino ou do sopro de alguma divindade do povo ribeirinho, fui
lançado a ancorar aqui nesses bancos de areia. Acabei por descobrir quão fértil
são as terras dessa margem. "E os frutos que dela emanam."
Li em seus textos que aprecia discorrer sobre os meses e
sobre as influências deles. Fato instigante, pois normalmente passamos por eles
sem muito dar conta. Quando nos deparamos, estamos preparando a ceia de fim de
ano. Mas a pensar nesse mote e nesses dias inaugurais de outubro, lancei-me a
tentar decifrar um pouco dos mistérios desse mês.
Outubro desponta, todos os anos, como as manhãs que tivemos
nessa derradeira semana. Envolto em brumas, indeciso, indefinido. Um misto de
frescor do vento gélido noturno, umidade orvalhada em plantas e objetos e um
brilho estranho, que nem os estudiosos do tema conseguem decifrar, pois ora
tende ao clima nublado, ora descamba para o ardor do sol. Os dias têm essa
ressaca matinal. Aquela famosa, porém vaga descrição de "gosto de cabo de
guarda-chuva" (??) na boca, que tenta retratar o resto de euforia do dia
anterior com o mal-estar do quase despertar.
Setembro se encerra com vivas de mais uma Primavera
celebrada - a da estação e a da vida -, para desembocar em um outubro frio e
prateado por chuviscos finos e constantes. A marca de alguém importante, que
deixou sua marca sem precisar estar ao alcance de um aperto de mão, um abraço
ou um conselho. Somente a certeza de que esteve por aqui e a gratidão por estar
no mesmo rio pelo qual seu barco passou e singrou as curvas sinuosas desse
caminho.
Mas como na natureza, as forças seguem seu ritmo e suas
metamorfoses. A neblina desce, o frio abranda, o sol vem forte e acalentador. O
dia segue. Ora ficará nublado e com possibilidades de chuva, ora se renderá ao
grande astro. É certo que a noite virá para enternecer os corações e fazer
descansar as mentes, preparando para outro belo e revigorante recomeço. Assim
caminha outubro, assim navego eu...
E, assim, aprecio a beleza de seus escritos também,
encantado por ter me lançado a essa margem, sentado à sombra de uma árvore e,
calmamente, ter vislumbrado belas paisagens.
Aqui fica o abraço e o meu muito obrigado.
M.
Projeto Missivas de Primavera
Participam desse projeto os autores:
Adriana Aneli | Chris Herrmann | Emerson Braga | Lunna Guedes | Ingrid Morandian | Manogon | Mariana Gouveia | Tatiana Kielberman
4 comentários:
E eu aqui dessa margem distante, aprecio seus escritos com a certeza de que a primavera realmente chegou. Belíssima e emocionante a sua carta, Manogon!
Obrigado, Chris. Seja sempre bem-vinda.
Lindo!
Obrigado, Mariana Gouveia. Volte quando quiser. E leia à vontade.
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