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sexta-feira, 9 de novembro de 2007

Fascinação

Tarde fria e chuvosa. As lágrimas das nuvens caem sem se importar com nada. Nem a mulher que sai correndo, protegendo o cabelo que acabou de arrumar no salão de beleza, nem a senhora desesperada com a roupa no varal, nem o homem que escorregou na calçada deslisante por estar molhada, nada parece importunar as lamúrias do céu. Aqui, ilhado em minha sala, seja pela chuva que me impede de dar uma volta, seja pela tela em branco que me lembra o dever de escrever a história esquematizada no cérebro, só percebo o frio por causa do ventilador ligado, erro bobo de quem ia ligar a luz e apertou o botão errado, sem sequer se dar ao trabalho de voltar o corrigir o equívoco. De resto, o calor que me toma, arrebata meu corpo e o envolve como uma membrana que protege a célula, não deixa que eu me importe com o céu cinzento e triste. Meus pensamentos transbordam minha mente. Meu corpo, apesar dos quilos excedentes que o fazem ter um tamanho um pouco acima do desejado, não é capaz de suportar e barrar as idéias, que fogem de mim, esgueirando-se pelas entranhas e escapulindo pelos poros. Elas tomam conta da minha atenção e, como uma marionete, sou conduzido pelo imaginário, viajo pelo arco-íris do incerto e repouso na relva macia do colo da minha amada. Ali, ninado e mimado como um bebê, posso sentir esquentar minha pele com o fogo latente de suas carícias, coroado pelo brilho de seus olhos e a pureza de seu riso. Fecho os olhos e o tilintar irritante das hélices do ventilador me obriga a voltar à realidade, na mesma sala fria, da mesma tarde triste e chuvosa. Mas o calor ainda continua comigo, confortando-me na certeza de que, em um espaço breve de tempo, estarei de fato nos braços da mulher amada, envolto em seu fascínio.

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