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sexta-feira, 20 de março de 2009

Cantiga de Cantador

Um poema que fiz faz tempo, para uma peça que encenei num festival local de teatro amador. Uma época gostosa essa do teatro... e o poema abaixo é uma brincadeira, uma narração com versos como se fosse um cantador. Uma história de posses de terra, muito antes da balbúrdia das invasões desmedidas e das incessantes discussões políticas sobre aproveitamento de terra, mas nem por isso sem a presença da violência muito conhecida nessas regiões. A peça em si foi feita com base em um artigo publicado numa dessas revistas semanais, que relatava a morte de um padre após o conflito numa região invadida, onde era comum a disputa e até mesmo morte de ambos os lados.


Cantiga de Cantador

Nas caatinga do sertão
Nas cidadi de pedregúio
Seja lá no meio dos mato
Ou socado nos entuio

Ou inté neste galpão
Bem no meio da fazenda
Nas terra que foi invadida
Cercado de gado e de mato
Do gado que come moita
Tamém do home que apanha
E chicote que açoita

Cheio do cheiro da relva
Lavano roupa no rio
O home se embrenha na mata
E mostra todo o seu brio
Trabaia de sor-a-sor
No cabo da enxada
E só pára de noitinha
Pra acorda de madrugada

E é no meio do sertão
De terra seca, castigado do solzão
Que eu vô contano os causo
Do povo que sofre o descaso

Canto do rico que bebe ouro
E do pobre que pede pão
Das famía que rasga o couro
Trabaiano nas plantação
Invadino terra sem uso
Brigano e morreno
Por um pedaço de chão

É nesses canto que o home luta
Que ele briga por sua famía
Onde isquece as lei fajuta
E conhece as do dia-a-dia
E resiste com sua garra
Pra fica, memo na marra,
Com ajuda de Deus e Virge Maria,
Ou dum revórvi na bainha,
Nas terra que ninguém dá valo
Onde infrenta a pobreza e a fome
E foge dos matadô
Que recebe dinheiro dos rico
Pra liquidá cum os invasô
E eles lutam isolado
Isperano só Deus do seu lado
Purque cum fome e cum dor
Só dá pra confia em Nosso Sinhô.
E o governo que faz vista grossa
Engorda as custa deles
Depois viram as costa.
E na eleição o político diz:
- Meu filho, vou dar terra e alimento pra comer!
Dispois de eleito grita empinando o nariz:
- What cazzo pensar ser você?

Ó, Jesus Cristo, força que no peito vive
Jesus, rogo-lhe com minha voz
Meu Senhor, ao seu lado sempre estive
Eu lhe peço, me escute uma vez mais
Jesus Cristo, aqui estou eu!
Aqui, bem aqui, me traga sua paz

Até quando, Senhor?
Não sei dizer, não.
Até que Deus se canse
E pare meu coração.
Ou que a bala me encontre
No meio da escuridão
Vou levando a vida
Olhando pro céu
Trabalhando o chão
Esperando a chuva
Pra que eu tenha meu pão
Luto com a minha sina
E a fé não se perde não


Manoel Gonçalves

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