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segunda-feira, 16 de março de 2009

MARCAS

A menina cobre seu rosto
De sujeira, de vergonha, de medo
De incerteza no dia seguinte
Aprende a se virar desde cedo
Rotina sem nenhum requinte
Nada que pareça errado
Apenas um grave pecado
O fato de ter nascido

A menina cobre seu sorriso
Suas bonecas são trapos
Pedaços de madeira e panos rotos
Sua brincadeira é rir dos outros
Um riso nervoso e amedrontado
Que transpassa pelo vidro
E assusta quem está do outro lado

A menina cobre sua boca
Não sorri a boca banguela
Não mostra sua graça
E descalça, desnuda,
Desequilibrada
Troca um falso carinho
Pela proteção agressiva
De loucos e preguiçosos padrinhos

A menina cobre a si mesma
E de repente repete a sina
De tantas outras meninas
Perdidas, pedintes, pedantes
Encobrindo um corpo frágil
De malícia e jeito fútil
De pedidos no farol
De farrapos maltrapilhos
Maltratados, mal trajados
O rosto esturricado do sol
A sujeira lavada na chuva
São lágrimas
São lástimas
São gotas de suor
Que escorrem pelo rosto
E levam no sal sujo
A amargura e o mau gosto
Da vida que lhes é impelida
E a muito contragosto, engolida.

Manoel Gonçalves

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